Amigos do Fingidor

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Estudos de Literatura do Amazonas

 


A primeira tentativa de se escrever algo próximo a uma história da literatura amazonense data de 1934, autoria de Anísio Jobim, cuja memória dissociou-se da literatura, vinculando-se à barbárie das revoltas acontecidas no complexo prisional que leva o seu nome. A Intelectualidade no Extremo Norte, subintitulado “Contribuições para a História da Literatura no Amazonas”, é um levantamento dos nomes que deram algum lustro, não à literatura, mas a esse conceito vago e impreciso do que é ser “intelectual”, abrangendo cerca de 180 anos – desde a segunda metade do século 18 até a década de 1930. A conclusão a que o historiador chega é de que “não temos, nem podemos ter, por força das condições do meio, uma literatura regional”. Depois dele, o jovem Djalma Batista, outro que se afastou da literatura de invenção, publicou Letras da Amazônia (1938), uma síntese abrangente, se me permitem o paradoxo, que começa com Carvajal, no século 16, e chega até o mesmo ponto de Jobim. De lá para cá, mais de 80 anos passados, contamos dois títulos de Mário Ypiranga Monteiro, Fases e Fatos da literatura amazonense (anos 1970), além da fragmentária mas indispensável contribuição de Jorge Tufic (anos 1980) e mais meia dúzia de antologias – uma forma de, definindo um cânone, escrever a história.

Agora temos, com 20 anos de atraso, este Estudos de Literatura do Amazonas, escrito a quatro mãos por Antônio Paulo Graça e Tenório Telles. O título mereceria um exame à parte: por que estudos e não história? Por que literatura do Amazonas e não o elástico literatura no Amazonas ou mesmo o soberbo literatura amazonense? Todas essas perguntas estão respondidas no texto, claro. E há muitas outras respostas a descobrir, antes da revelação final: existe uma literatura amazonense? Assim como a história se constrói a partir da própria história, sem nunca se dar por acabada, a literatura se transforma sob o olhar crítico de leitores especializados, observando-se dois valores essenciais: o estético e o histórico. Com isso, algumas obras vão para os arquivos do tempo, enquanto outras são chamadas para a vitrine da glória – efêmera, muitas vezes, pois a historiografia literária é sobretudo reflexo e reflexão de seu próprio tempo.  

Paulo Graça, o amigo Paulinho, era um polemista aguerrido – sem perder a ternura jamais. Imagino o trabalho do amigo Tenório com o seu clarinete mozartiano harmonizando a dissonância blues da guitarra graciana... Pois é dessa parceria – inusitada, se não fosse ligada por laços de profunda amizade e sincero amor (ou vice-versa) – é dessa parceria que nasce uma obra marcante para a história e a literatura do Amazonas.

Agora, sim, com a trilha sonora perfeita, podemos afirmar, finalmente: a história da literatura amazonense começa a ser escrita.  

Zemaria Pinto

(na orelha de Estudos de Literatura do Amazonas, Manaus: Editora Valer, 2021. 704 p.)