A primeira tentativa de se escrever algo
próximo a uma história da literatura amazonense data de 1934, autoria de Anísio
Jobim, cuja memória dissociou-se da literatura, vinculando-se à barbárie das
revoltas acontecidas no complexo prisional que leva o seu nome. A
Intelectualidade no Extremo Norte, subintitulado “Contribuições para a História
da Literatura no Amazonas”, é um levantamento dos nomes que deram algum lustro,
não à literatura, mas a esse conceito vago e impreciso do que é ser
“intelectual”, abrangendo cerca de 180 anos – desde a segunda metade do século
18 até a década de 1930. A conclusão a que o historiador chega é de que “não
temos, nem podemos ter, por força das condições do meio, uma literatura
regional”. Depois dele, o jovem Djalma Batista, outro que se afastou da
literatura de invenção, publicou Letras da Amazônia (1938), uma síntese
abrangente, se me permitem o paradoxo, que começa com Carvajal, no século 16, e
chega até o mesmo ponto de Jobim. De lá para cá, mais de 80 anos passados,
contamos dois títulos de Mário Ypiranga Monteiro, Fases e Fatos
da literatura amazonense (anos 1970), além da fragmentária mas indispensável contribuição
de Jorge Tufic (anos 1980) e mais meia dúzia de antologias – uma forma de,
definindo um cânone, escrever a história.
Agora temos, com 20 anos de atraso, este Estudos
de Literatura do Amazonas, escrito a quatro mãos por Antônio Paulo Graça e
Tenório Telles. O título mereceria um exame à parte: por que estudos e não
história? Por que literatura do Amazonas e não o elástico literatura no
Amazonas ou mesmo o soberbo literatura amazonense? Todas essas perguntas estão
respondidas no texto, claro. E há muitas outras respostas a descobrir, antes da
revelação final: existe uma literatura amazonense? Assim como a história se
constrói a partir da própria história, sem nunca se dar por acabada, a
literatura se transforma sob o olhar crítico de leitores especializados, observando-se
dois valores essenciais: o estético e o histórico. Com isso, algumas obras vão
para os arquivos do tempo, enquanto outras são chamadas para a vitrine da
glória – efêmera, muitas vezes, pois a historiografia literária é sobretudo
reflexo e reflexão de seu próprio tempo.
Paulo Graça, o amigo Paulinho, era um
polemista aguerrido – sem perder a ternura jamais. Imagino o trabalho do amigo Tenório
com o seu clarinete mozartiano harmonizando a dissonância blues da guitarra
graciana... Pois é dessa parceria – inusitada, se não fosse ligada por laços de
profunda amizade e sincero amor (ou vice-versa) – é dessa parceria que nasce
uma obra marcante para a história e a literatura do Amazonas.
Agora, sim, com a trilha sonora perfeita,
podemos afirmar, finalmente: a história da literatura amazonense começa a ser
escrita.
Zemaria Pinto