Zemaria Pinto
Comissão de frente
O capítulo
dezesseis – “Benito” – sintetiza o procedimento narrativo, reunindo exemplos de
paródia, alegoria, metalinguagem e intertextualidade. O Bar Bacurau era uma
representação microcósmica da Manaus em tempos de sombras, onde avulta acima de
tudo e de todos a paradigmal figura de Benito Botelho, arruinado fisicamente,
“parecidíssimo com Mário de Andrade” (p. 121), um prodígio literário, com uma
memória fotográfica incomum. Polemista profissional, Benito era “poeta e
poliglota, lia e falava francês, inglês, alemão e italiano, além de [ter] sólidos
conhecimentos de grego e de latim” (p. 121). Mas ele não estava sozinho no bar,
onde se juntava a velha guarda boêmia da cidade.
No
Bacurau se reunia a escória da sociedade manauara. Eram pescadores, policiais,
bichas, poetas, presidiários, prostitutas, comunistas, peixeiros, músicos e o
grupo do Clube Satírico Gregório de Matos, que infernizava a vida dos poetas
maiores do Clube da Madrugada. (p. 122)
Benito Botelho
“era a única voz de oposição naquela sociedade louvaminheira, laudatória,
servil, risonha e patriarcal” (p. 126).
Sob a liderança
arruinada de Benito, a escória do Bar Bacurau abre o nosso desfile.
Porta-bandeira e Mestre-sala
Adiante, daremos
ênfase na fundamentação alegórica das personagens de O amante das amazonas,
mas comecemos por destacar dois papéis que, secundários, têm fundamental
importância na trama: Paxiúba e Maria, ambos caxinauás. Antagônicos, os dois se
completam na subserviência ao patrão Zequinha. É curiosa a definição dos
caxinauás, dada pelo Coronel Bataillon:
Eles
constituem um povo simbiótico, um organismo só, vivo, único. Não são seres
individuais. O indivíduo é o povo, a raça. (p. 68)
A relação
especial dos dois com Zequinha Bataillon sintetiza essa simbiose: enquanto
Paxiúba é o braço armado, sanguinário, de Zequinha, Maria é o lado amoroso –
mãe, irmã, amante. Separados, Paxiúba continua seu mister de violência, mas
Maria se transforma, para os que ameaçavam o seu território sagrado: “hostil,
aquela existência silenciosa e animal concentrava-se em si mesma, refluía em
si, como serpente” (p. 68-69).
Numa paráfrase intertextual
entre o libelo político e o ensaio sociológico, o narrador dá a sua versão de
Maria Caxinauá:
São
raças inteiras espoliadas, traumatizadas, despossuídas de seus deuses e de suas
riquezas construídas durante séculos, sangradas em hecatombes, liquidadas para
sempre. Contaminadas de doenças, escravizadas e corrompidas, submetidas ao
trabalho escravo que consumiu o sangue de milhões de pessoas desprovidas de
suas economias de subsistência, tragicamente transformadas em exércitos de
massas proletárias – vinte milhões de índios massacrados no Brasil se
corporificavam ali, no gesto cego de Maria Caxinauá. (p. 69)
Os caxinauás, nas
figuras de Maria e Paxiúba, alegorizam as nações exterminadas no contato/enfrentamento
com o invasor branco.
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palestra, no YouTube, clicando aqui.