Zemaria Pinto
Fantasias: ambiente
A trama de O
amante das amazonas se desenvolve basicamente em dois ambientes: a selva
amazônica, proximidades do Rio Jordão, hoje território do Acre; e a cidade de
Manaus.
A selva amazônica
é um intricado de ambientes diversos, mas, para delimitá-lo, ao entrar no ponto
exato da trama, o Igarapé do Inferno, o autor usa uma metáfora que não deixa
dúvidas quanto à sua localização: “o marco extremo de nós mesmos, o mais
longínquo e interno lugar do orbe terrestre (...), limite do fim do mundo” (p.
11). A área onde hoje se localiza o estado do Acre pertencia à Bolívia, mas foi
invadida, desde os anos 1870, por seringalistas brasileiros. Os invasores
enfrentaram não somente a hostilidade natural do meio, mas também a resistência
dos nativos. A pendência internacional só foi resolvida em 1903, quando o
Brasil, literalmente, comprou o Acre.
A cidade de
Manaus, a partir de 1912, quando fica patente que a debacle estava em curso,
transforma-se de “Paris dos trópicos” em uma cidade em ruínas – física e
moralmente. Essa letargia se estenderia até a primeira metade dos anos 1940,
quando a economia com base na exploração dos seringais nativos recebe um
influxo motivado pela demanda americana, na segunda grande guerra. Terminado o conflito,
a cidade volta às sombras, período que se estende até a década de 1960, com a
implantação da Zona Franca de Manaus.
Um terceiro
ambiente, apresentado como um apêndice no meio da narrativa, é a Rua das
Flores, situada na Vila de Transvaal, às margens do rio Jordão; provavelmente,
o ponto urbano mais próximo do seringal Manixi. Ribamar, o enternecido narrador,
é frequentador assíduo do “mais belo jardim urbano” (p. 128) do Amazonas.
Do ponto de vista
cronológico, a ambientação se dá em duas fases distintas: de 1876, quando
Pierre Bataillon se instala na região, até 1912, quando Ribamar abandona o
seringal Manixi e vai para Manaus; e daí em diante até meados dos anos 1950,
quando Ribamar já consolidara sua fortuna e seu poder. Portanto, em torno de 80
anos.
Samba-enredo: o narrador
A narrativa
começa da forma mais convencional possível, fornecendo informações precisas
sobre a personagem que vai se configurar como de suma importância para o
enredo: era o natal de 1897 quando o narrador, ainda adolescente, se despede de
sua mãe, que ficaria em Patos, Pernambuco, iniciando viagem para o Amazonas, em
busca de um tio e um irmão, num certo seringal Manixi, às margens do Igarapé do
Inferno. Esse narrador, ficamos sabendo depois, se chama Ribamar d’Aguirre de
Sousa, e como narrador-personagem, esforçando-se por parecer secundário, ele
atrai para si as atenções a partir da segunda metade da narrativa, passada em
Manaus.
Ribamar é um
narrador complexo. Mesmo em permanente contato com o leitor – “Mas silenciosos,
sozinhos, sigamos nós, leitor” (p. 87) –, ele às vezes se esconde, num
procedimento parodístico, sob um diáfano véu de onisciência, que é apenas a
expressão do que ele tem como a sua verdade. O capítulo treze, por exemplo –
“Conversas” –, é todo em terceira pessoa: mostra os detalhes de uma conversa
entre o Comendador Gabriel Cunha e o padre Pereira. Como um dos motivos era o
próprio Ribamar, ele imagina como poderia ter sido a interlocução entre os dois
e a reproduz com todos os travessões e reticências. Antes, no capítulo dez –
“Perdida” –, ele narra a violência de um encontro entre Maria e Paxiúba e
coloca-se em posição de onisciência – pois somente as duas personagens poderiam
narrar a cena –, de tal modo que, ao se autorreferir, o faz em terceira pessoa:
“(...) e a sede ficara sob as ordens de um Ribamar (d’Aguirre) de Sousa,
oriundo de Patos, Pernambuco, conforme o primeiro capítulo desta narrativa” (p.
102): paródia, metalinguagem, intertextualidade.
Ribamar é um
típico narrador-personagem, que se limita a narrar apenas o que é do seu
conhecimento, mas que não se furta, em nome do estilo, em fazer-se de narrador
pressuposto. Afinal, acima de tudo, sua função maior é a de protagonista da
paródia.
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