Pedro
Lucas Lindoso
A mídia
nacional abriu espaço para depoimentos de lindas mulheres negras, ex-participantes
de um reality show. As jovens estão comprometidas em questões de
equidade racial no Brasil. Já a imprensa internacional explora as revelações de
Meghan Markle sobre racismo na família real britânica.
O termo
racismo estrutural foi desenvolvido em parte para ajudar essas pessoas a se
manifestarem. A expressão nos dá a ideia de que o racismo na sociedade é um
sistema. E eu concordo. Sistema com estrutura clara e com múltiplos
componentes.
Aprendi
ainda menino que esse racismo existe de fato. Um tio avô casou-se com uma
negra. Tenho primos que descendem dessa união. Há muitos anos, fui pagar uma
conta em determinado banco em Brasília. Estava acompanhado de um desses primos.
Eu entrei na agência. Estava de bermudas e camiseta. Mas era um menino branco.
João, bem vestido e de calças compridas, foi barrado. Era um menino negro.
Meu pai
tinha afeição por sua prima, mãe de João. Abominava atitudes racistas. Aprendi
com ele que não adianta só não ser racista. É preciso não compactuar com esses
múltiplos componentes que compõe o que se chama de racismo estrutural. Não
usava e não permitia que se usasse o termo denegrir. Ofensivo aos negros. Como
não gostava da palavra judiar. Ofensiva aos israelitas.
Uma das
boas recordações de meu pai era quando lia poesias para os filhos. Cecilia
Meirelles, Drummond, Manuel Bandeira.
Havia
uma que eu gostava muito. Pedia sempre ao meu pai que a lesse. É do poeta Jorge
de Lima, chamada “Essa Negra Fulô”. Nas primeiras estrofes o poeta se refere à
Negra Fulô de maneira bem simpática. O poema tem traços de surrealismo. Vejamos
algumas estrofes:
“Era um dia uma princesa / que vivia num
castelo / que possuía um vestido / com os peixinhos do mar. / Entrou na perna
dum pato / saiu na perna dum pinto / o Rei-Sinhô me mandou / que vos contasse
mais cinco”. Essa negra Fulô! / Essa negra Fulô! / Ó Fulô? Ó Fulô? / Vai botar
para dormir / esses meninos, Fulô! / “Minha mãe me penteou / minha madrasta me
enterrou / pelos figos da figueira / que o Sabiá beliscou.” Essa negra Fulô!
/Essa negra Fulô!
Eu
pensava que o poema terminasse ali. Mas não! Na segunda parte do poema, Negra
Fulô é acusada de roubar frascos de cheiro, lenços, cintos e broches. Meu pai,
deliberadamente, omitia essa parte. Só quando já adulto, lendo o poema por
conta própria, descobri o racismo estrutural contido nos últimos versos.
Chamávamos
meu pai carinhosamente de Zecão. Ah! Esse pai Zecão!