Amigos do Fingidor

terça-feira, 16 de março de 2021

Racismo estrutural

Pedro Lucas Lindoso

 

A mídia nacional abriu espaço para depoimentos de lindas mulheres negras, ex-participantes de um reality show. As jovens estão comprometidas em questões de equidade racial no Brasil. Já a imprensa internacional explora as revelações de Meghan Markle sobre racismo na família real britânica.

O termo racismo estrutural foi desenvolvido em parte para ajudar essas pessoas a se manifestarem. A expressão nos dá a ideia de que o racismo na sociedade é um sistema. E eu concordo. Sistema com estrutura clara e com múltiplos componentes.

Aprendi ainda menino que esse racismo existe de fato. Um tio avô casou-se com uma negra. Tenho primos que descendem dessa união. Há muitos anos, fui pagar uma conta em determinado banco em Brasília. Estava acompanhado de um desses primos. Eu entrei na agência. Estava de bermudas e camiseta. Mas era um menino branco. João, bem vestido e de calças compridas, foi barrado. Era um menino negro.

Meu pai tinha afeição por sua prima, mãe de João. Abominava atitudes racistas. Aprendi com ele que não adianta só não ser racista. É preciso não compactuar com esses múltiplos componentes que compõe o que se chama de racismo estrutural. Não usava e não permitia que se usasse o termo denegrir. Ofensivo aos negros. Como não gostava da palavra judiar. Ofensiva aos israelitas.

Uma das boas recordações de meu pai era quando lia poesias para os filhos. Cecilia Meirelles, Drummond, Manuel Bandeira.

Havia uma que eu gostava muito. Pedia sempre ao meu pai que a lesse. É do poeta Jorge de Lima, chamada “Essa Negra Fulô”. Nas primeiras estrofes o poeta se refere à Negra Fulô de maneira bem simpática. O poema tem traços de surrealismo. Vejamos algumas estrofes:

 “Era um dia uma princesa / que vivia num castelo / que possuía um vestido / com os peixinhos do mar. / Entrou na perna dum pato / saiu na perna dum pinto / o Rei-Sinhô me mandou / que vos contasse mais cinco”. Essa negra Fulô! / Essa negra Fulô! / Ó Fulô? Ó Fulô? / Vai botar para dormir / esses meninos, Fulô! / “Minha mãe me penteou / minha madrasta me enterrou / pelos figos da figueira / que o Sabiá beliscou.” Essa negra Fulô! /Essa negra Fulô!

Eu pensava que o poema terminasse ali. Mas não! Na segunda parte do poema, Negra Fulô é acusada de roubar frascos de cheiro, lenços, cintos e broches. Meu pai, deliberadamente, omitia essa parte. Só quando já adulto, lendo o poema por conta própria, descobri o racismo estrutural contido nos últimos versos.

Chamávamos meu pai carinhosamente de Zecão. Ah! Esse pai Zecão!