Amigos do Fingidor

segunda-feira, 8 de março de 2021

Folia no seringal: alegoria e paródia em O amante das amazonas 5/9

Zemaria Pinto

 

Harmonia: o uso do tempo

A fragmentária narrativa de O amante das amazonas é feita em flashback. Ribamar narra muitos anos depois dos acontecimentos.

 

Porque estou velho mas não estou louco. (...) Sou de outra época. Sou do tempo de um capitalismo primitivo, arcaico, luxuoso, feito tricotado em ouro e pedras preciosas. (p. 18-19)

 

Memória e não linearidade narrativa podem induzir o leitor a pensar em tempo psicológico, mas não é o caso, posto que o narrador, ainda que por vezes tenha as lembranças embaralhadas, sempre busca o tempo cronológico, a referência precisa, a exatidão fictícia, mas histórica. A não linearidade narrativa, entretanto, respeita os limites das duas partes identificadas: a primeira, que vai até 1912; e a segunda, daí em diante. Mas, ao apresentar a personagem Benito Botelho, o narrador permite-se uma licença poética, ao mostrar Benito, de 37 anos, que fora amigo de infância de Zequinha Bataillon, bebendo com os poetas do Clube da Madrugada. Pela descrição, infere-se que o ano dos acontecimentos seja 1927, um pouco mais, um pouco menos. O caso é que, por essa época, o pessoal do Clube, que viria a ser fundado em 1954, ainda não nascera. Mas Ribamar – o velho narrador – traz no próprio nome a explicação para esse paradoxo temporal. No filme Aguirre, a cólera dos deuses (1972), o diretor Werner Herzog funde duas expedições ao Rio Amazonas, separadas por 20 anos, em uma só, fazendo um filme extraordinário. Fosse um documentário, seria mistificação. Sendo uma ficção, esse paradoxo é um artifício que o autor lança mão para enriquecer seu universo. Em favor de Ribamar, diga-se que os copos de Manaus à época não eram muito interessantes: Maranhão Sobrinho e o Conde Stradelli estavam mortos; Nunes Pereira, vivia enfiado entre os índios, tomando caxiri. Era preciso buscar no futuro bebedores à altura, entre os poetas do Clube da Madrugada, a mais extraordinária explosão de talentos sobre a linha do equador, no século 20.

A fragmentação narrativa é um puzzle que o leitor vai encaixando aos poucos, posto que todos os fatos narrados levam, na primeira parte, à queda do seringal Manixi; e na segunda parte, à ascensão de Ribamar, o repositório das lembranças perdidas do seringal, o único a poder narrar O amante das amazonas, pois todas as outras personagens já eram finadas.  

 

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