Zemaria Pinto
Harmonia: o uso do tempo
A fragmentária
narrativa de O amante das amazonas é feita em flashback. Ribamar
narra muitos anos depois dos acontecimentos.
Porque
estou velho mas não estou louco. (...) Sou de outra época. Sou do tempo de um
capitalismo primitivo, arcaico, luxuoso, feito tricotado em ouro e pedras
preciosas. (p. 18-19)
Memória e não linearidade
narrativa podem induzir o leitor a pensar em tempo psicológico, mas não é o
caso, posto que o narrador, ainda que por vezes tenha as lembranças
embaralhadas, sempre busca o tempo cronológico, a referência precisa, a
exatidão fictícia, mas histórica. A não linearidade narrativa, entretanto,
respeita os limites das duas partes identificadas: a primeira, que vai até
1912; e a segunda, daí em diante. Mas, ao apresentar a personagem Benito
Botelho, o narrador permite-se uma licença poética, ao mostrar Benito, de 37
anos, que fora amigo de infância de Zequinha Bataillon, bebendo com os poetas
do Clube da Madrugada. Pela descrição, infere-se que o ano dos acontecimentos
seja 1927, um pouco mais, um pouco menos. O caso é que, por essa época, o
pessoal do Clube, que viria a ser fundado em 1954, ainda não nascera. Mas
Ribamar – o velho narrador – traz no próprio nome a explicação para esse
paradoxo temporal. No filme Aguirre, a cólera dos deuses (1972), o
diretor Werner Herzog funde duas expedições ao Rio Amazonas, separadas por 20
anos, em uma só, fazendo um filme extraordinário. Fosse um documentário, seria
mistificação. Sendo uma ficção, esse paradoxo é um artifício que o autor lança
mão para enriquecer seu universo. Em favor de Ribamar, diga-se que os copos de
Manaus à época não eram muito interessantes: Maranhão Sobrinho e o Conde
Stradelli estavam mortos; Nunes Pereira, vivia enfiado entre os índios, tomando
caxiri. Era preciso buscar no futuro bebedores à altura, entre os poetas do
Clube da Madrugada, a mais extraordinária explosão de talentos sobre a linha do
equador, no século 20.
A fragmentação
narrativa é um puzzle que o leitor vai encaixando aos poucos, posto que
todos os fatos narrados levam, na primeira parte, à queda do seringal Manixi; e
na segunda parte, à ascensão de Ribamar, o repositório das lembranças perdidas
do seringal, o único a poder narrar O amante das amazonas, pois todas as
outras personagens já eram finadas.
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