Pedro
Lucas Lindoso
A
canção “Porto de Lenha” é a música considerada a “cara” de Manaus. Letra de Aldisio Filgueiras e composição de
Torrinho, tornou-se um clássico de nossa música amazonense. A primeira estrofe
é a mais emblemática e diz: Porto de lenha / Tu nunca serás Liverpool / Com uma
cara sardenta / E olhos azuis.
As
nossas lindas cunhantãs, as nossas cunhãs-porangas, não têm olhos azuis e nem
faces sardentas. Algumas amazonenses de origem europeia têm esses olhos e até
sardas. Mas são raras. E tão belas quanto as legítimas porangas, também nos
representam. Como o fez Terezinha Morango, nossa eterna Miss Amazonas e Miss
Brasil, recentemente falecida.
De
acordo com pesquisadores de uma universidade da Dinamarca, uma mutação genética
em um único indivíduo na Europa entre 6.000 e 10.000 anos atrás levou ao
desenvolvimento dos olhos azuis. Esses cientistas acreditam que todos os
indivíduos de olhos azuis estão ligados ao mesmo ancestral. Todos herdaram o
mesmo desvio em seu DNA.
Falemos
agora de bonecas. Brinquedo de toda menina. Bonecas de olhos azuis, cabelos
loiros e pele rosada. É o que toda menina quer ter? Nossas cunhatãs com certeza
não se reconhecem nessas bonecas. Geralmente com dentes perolados, nariz
arrebitado, cabelos loiros e olhos de vidro azuis.
Bonecas
que chegam em aviões ou mesmo por nosso porto de lenha e são distribuídas em
lojas. São compradas para presente nos natais, dia das crianças e
aniversários. Ora, por mais que recebam
essas bonecas de presente, as verdadeiras porangas não conseguem se identificar
com elas.
E não
precisam. As moças que se tornam cunhãs-porangas de boi bumbá acreditam que não
existe uma parte do corpo mais ou menos importante. Para a verdadeira cunhã-raiz
o corpo é uma totalidade. Os cabelos longos, negros e lisos, o gingado dos
quadris, a agilidade ao requebrar, o compasso no andar.
As
nossas cunhãs-porangas têm a sua beleza intrinsicamente relacionada ao seu papel
de guerreira. Com origem nas mitológicas amazonas. Nelas, a beleza, a graça, o
tom da pele e os lindos olhos amendoados não se desvinculam da garra, da
coragem, da competência e da própria arte de ser mulher. Elas cuidam do corpo
não só para exibi-lo. Ele é também instrumento de luta. Na defesa de seu povo,
de seu território.
Voltando
ao porto de lenha. As nossas cunhãs verdadeiramente nunca terão cara rosada nem
olhos azuis. Como concluíram os cientistas dinamarqueses, os olhos azuis foram
um desvio de DNA. Elas não precisam
disso. São lindas.