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segunda-feira, 22 de março de 2021

Folia no seringal: alegoria e paródia em O amante das amazonas 7/9


Zemaria Pinto

 

Bateria: paródia e metalinguagem

Em O amante das amazonas, a paródia se estrutura em uma narrativa sem precedentes na literatura sobre o período da borracha, quebrando paradigmas institucionalizados, especialmente em relação ao Realismo/Naturalismo. Citamos antes As folias do látex – assim como Márcio Souza, Rogel Samuel ousa rir do empolamento e seriedade como o período é visto enquanto tragédia. Porque este é o lado oposto da questão. Mas não é apenas a oposição cômico-trágico que está em tela: é um discurso dissonante do discurso oficial, mostrando que a história pode ser contada de outra forma. E essa outra forma escolhida por Samuel é a contramão do discurso consagrado.

O amante das amazonas contempla narrar as histórias de personagens que não nos enchem de cuidados, embora alguns nos causem repulsa – estes são exatamente aqueles que, literários, são intertextos de narrativas ditas sérias, como Paxiúba e João Beleza. Assim, a obra não é paródia de um ou de outro livro: é paródia de uma maneira de ver e de fazer literatura.

A fragmentação da narrativa é parte do procedimento paródico também, uma vez que contraria o padrão convencional da literatura sobre o período, cuja fábula, a despeito dos movimentos temporais, pode ser montada linearmente.

De outro lado, o inegável caráter metalinguístico da narrativa acentua a sua qualidade paródica, pois amiúde confronta o leitor com a própria carpintaria do trabalho.

 

E naqueles mesmos dias ocorreram grandes fatos em outros lugares e horas, históricos e decisivos para o sucesso desta ficção e que relatarei no momento oportuno, mas que para tanto ainda tenho de revelar surpresas de muitos outros ocorridos. (p. 46-47)

 

No teatro, chamaríamos a esse procedimento de distanciamento. Em outras ocasiões, o narrador olha nos olhos do leitor:

 

O leitor não dará crédito ao que que vou narrar, pois eu vi prodígios que ainda agora me surpreendem. (p. 86)

 

A metalinguagem serve-se também do humor, instaurando insólitos paradoxos:

 

Esta é apenas uma obra de ficção, e portanto mentirosa, dentre as várias que há na literatura amazonense (...) Todos os fatos, aqui expostos, foram realidades notáveis e aconteceram realmente para a minha imaginação. (p. 88)

 

Em um bom desfile, não pode faltar o recuo da bateria, momento em que a bateria literalmente estaciona, e alas que estavam atrás dela passam à frente. O recuo é mais que um preciosismo: é uma transição no desfile, marcando a passagem para a evolução final. Em O amante das amazonas, essa transição é marcada pelo capítulo doze – “Manaus” –, em que o narrador, caminhando por uma cidade arrasada, sente que a ama, e, por isso mesmo, pode reerguê-la. Trabalhando no icônico Armazém das Novidades, em troca de comida e alojamento em um úmido porão, Ribamar de Sousa inicia ali, 15 anos após o início dos fatos narrados, a sua trajetória vitoriosa.

Eliminando a distância entre realidade e imaginação, o autor esfarinha a muralha que separa história e ficção – e o faz com o uso cirúrgico da paródia e da metalinguagem ditando o ritmo e a cadência da narrativa.

 

Assista à palestra, no YouTube, clicando aqui.