João Bosco Botelho
5. O neocórtex cerebral e as relações com as linguagens
O neocórtex é um conjunto heterogêneo de áreas encefálicas também relacionadas ao comportamento emocional e à capacidade de o sujeito organizar o pensamento ficcional. Entre as estruturas mais importantes, se destacam o tronco encefálico, hipotálamo, tálamo, área pré frontal e sistema límbico.
Desde 1937, os estudos de James Papez demonstraram que as emoções estão, na maior parte, relacionadas com as estruturas do sistema límbico, do hipotálamo e do tálamo, posteriormente identificadas como “circuito de Papez”.
Mesmo com os progressos posteriores da neurofisiologa, não foi possível separar a linguagem emocional (choro, riso, gestos, postura corporal, a mímica do prazer e da dor), de origem predominantemente límbica, da linguagem voluntária, cuidada no vocabulário, armazenado no neocórtex.
A cirurgia experimental evidenciou a importância vital do sistema límbico nas emoções. Após a retirada cirúrgica bilateral da parte anterior dos lobos temporais em macacos Rhesus, provocando lesões irreversíveis no hipocampo, giro parahipocampal e corpo amigdalóide, os animais modificaram o comportamento:
– Agressividade foi substituída pela passividade;
– Comer alimentos antes recusados;
– Incapacidade de reconhecer objetos, como ferro em brasa, e outros animais, como escorpiões e cobras, antes identificados como determinantes de dor física e medo;
– Aumento da atividade oral levando todos os objetos à boca, mesmo aqueles que poderiam causar a morte;
– Aumento desordenado da atividade sexual, levando os animais a tentar copular com parceiros de outras espécies e a de se masturbarem continuamente.
Fora da conhecida conjunção genética, não se conhece as razões da lateralização funcional dos hemisférios cerebrais indicam o esquerdo, nos indivíduos destros, o predominante na linguagem e no controle da atividade gestual proposital.
O hemisfério cerebral direito é o responsável pela apreensão visual-espacial, pelas atividades musicais e reconhecimento da forma fisionômica. Assim, identifica e classifica, através da análise da forma, sem que o nome do objeto, na linguagem oral, ou a palavra, na linguagem escrita, necessitem ser expressos.
Nos primatas, a vocalização organiza se na face interna do lobo frontal. No rastro da ontogênese, esse controle se tornou mais complexo. No homem, está numa área ainda mais especializada que engloba a convexidade do córtex frontal, mantendo conexões sinápticas, no sentido crânio caudal, no nível rinencefálico, reticular peduncular, bulbo e órgãos fonadores. Dessa forma, graça a essa interligação anatômica, os humanos reagem, seletivamente, ao sinal sonoro e imitam a mensagem ouvida.
Como sequência, as linguagens guardam nas origens ontogenéticas a profunda marca da vida afetiva, onde as emoções sentidas ou ficcionadas estão armazenadas em memórias, infelizmente, ainda escondidas nas dimensões molecular e atômico corpuscular.
Um dos produtos finais da interligação das estruturas cerebrais com a vida social — linguagens e culturas — é reproduzida na consciência de si mesmo sentida pelo sujeito, impondo a incrível condição de depositário e herdeiro das gerações anteriores, transmitida, inicialmente, pela oralidade e, depois, pela linguagem escrita, na construção das culturas.
6. Inter-relação neocórtex e outras estruturas cerebrais na construção das linguagens e culturas
A maior parte dos neurocientistas concorda que a linguagem, para se manifestar, estabelece estreitas correlações sinápticas em vários segmentos do encéfalo, passando no neocórtex associático, com o objetivo de manter ativa a percepção do circundande e a expressão das emoções vividas na interpretação do ato apreendido.
Na dimensão macroscópica (órgão), os pontos cerebrais em torno dos quais se organiza a linguagem são: área de Broca, área motora responsável pelo controle fonético da expressão e a zona de Heschl, de natureza receptiva, onde a mensagem é decodificada.
Os dois hemisférios cerebrais não participam igualmente desses complicados mecanismos neurofisiológicos. A dominância do esquerdo, nas atividades manuais, é programado geneticamente. Por outro lado, sabe se que o hemisfério cerebral direito não é desprovido de função linguística. Apesar de o direito não ter acesso à palavra, é capaz de manter a informação em torno de frases curtas e pode decifrar a linguagem escrita.
Sem que possamos estabelecer as razões, mesmo anatômico e funcionalmente menos adaptado para exercer o domínio da linguagem, o hemisfério direito poderá substituir o esquerdo, no caso de uma lesão irreversível que danifique a estrutura, como as sequelas pós-trauma, antes da idade de cinco anos.
Talvez essa similitude escondida na forma e trazida à tona na necessidade da função suprimida por causas não congênitas esteja relacionada com certos aspectos moduladores do discurso que interagem os dois hemisférios cerebrais, traduzidos na linguagem escrita, com os advérbios e as locuções exprimindo reserva e acentuação, como nas respostas à dor e ao prazer, expondo sentimentos e expressões muito diversas.
Mesmo não sendo ainda possível demonstrar no laboratório, é possível supor que esse processo ontogenético que mudou a forma na dimensão macroscópica, também determinou modificações estruturais, no nível celular e molecular, capazes de ajustar as funções cerebrais às necessidades sociais, especialmente nas linguagens e culturas que expressam dor e prazer, tanto pessoal quanto coletivamente.
Essa afirmativa é incisiva e incontestável em outras partes do corpo. Por exemplo, a diminuição gradativa da arcada dentária em função do menor uso do esforço mastigatório. A partir do uso do fogo, mais ou menos há trezentos mil anos, ocorreu um conjunto de fatores, incluindo o cozimento dos alimentos, tornando os mais macios, ocasionando a redução da potência da musculatura mastigatória e, em consequência, do tamanho e número de dentes eruptos, na maturidade. Essa seria a explicação de os terceiros molares permanecerem inclusos.
Infelizmente, a maior parte do SNC permanece desconhecida em nível molecular e dificulta o estudo nos moldes do método experimental.