Aldemir Bentes*
Início dos anos 80, a pequena Maués era um território conhecido por conta de seu principal produto, o guaraná. Nesse início de década, a febre do garimpo e a esperança de se tornar rico da noite para o dia, atraiu muitos forasteiros para a região dos garimpos do Amana e Parauari. Poucos conseguiram seus intentos e realizaram seus sonhos, outros, a maioria, foram acometidos pela malária e muitos corpos inertes ficaram para sempre nos escombros dos barrancos dos garimpos, seja por morte provocada pela malária ou na disputa pelo ouro.
Apesar das mortes, os garimpos alavancaram a economia do município e novos investimentos foram implantados aqui, notadamente os projetos madeireiros e a expansão do plantio do guaraná.
Foi nesse período de grandes mudanças que aqui chegou a Empresa Safrita Maués S.A., cuja matriz ficava no Estado de Santa Catarina, sul do país. O projeto da empresa consistia em implantar uma indústria de beneficiamento de madeira e plantação de guaraná. Para isso, a empresa adquiriu uma extensa área de mata nativa na região do Rio Pupunhal, à margem direita do rio Maués Açu e construiu a madeireira no Bairro do Éden, onde estabeleceu seu escritório municipal.
A gerencia da empresa ficou a cargo de Ademar Fernando Gunsch Gruber, sobrenome alemão, difícil de nosso caboclo pronunciar e que logo foi traduzido por Xico da Safrita. Xico chegava sem conhecer ninguém e na cidade o povo logo notou a diferença em sua fala, pois o Xico até hoje ainda não conseguiu pronunciar a palavra caRRo, com ênfase ao dígrafo RR, assim, pronuncia caro.
No início, teve que se adaptar a uma nova cultura, sotaque e costumes do lugar. Mas como Xico é bem relacionado, aos poucos foi construindo uma legião de amigos. Os negócios da empresa foram crescendo e nova mão-de-obra foi criada, contribuindo para a economia da cidade. Com a firmação em seu novo solo, Xico conheceu uma jovem de família tradicional da cidade, a qual se tornou sua esposa.
Casaram, tiveram filhos. A empresa Safrita encerrou suas atividades no município de Maués, mas Xico, aqui permaneceu, agora enraizado na nova terra, cuja adoção foi construída ao longo do tempo. De seu casamento nasceu um casal de filhos Sharon e Ademar II (in memorium) .Tempos depois, se separou.
De seu segundo casamento, tem Gleicyanna e Guilherme Gruber II.
No decorrer dos anos, tornou-se empresário do ramo madeireiro. Enveredou pelos caminhos da política, foi vereador e presidente da Câmara Municipal de Maués, participou ativamente da elaboração e implantação da Lei Orgânica do Município de Maués. Com a eleição de seu ex-cunhado Sidney Leite, começou a participar da administração municipal. Mesmo depois do final do mandato de Sidney Leite, continuou fazendo parte do governo municipal, se tornando secretário de Cultura e Turismo.
À frente da Secretaria, Xico mudou a forma de se fazer cultura em Maués. Visionário, ousado, propôs várias mudanças, estruturais e de gestão. Criou a biblioteca municipal “Almir Gomes de Almeida”, cujo prédio leva o nome do falecido deputado Darcy Augusto Michiles. Incentivou os diversos movimentos culturais da cidade, como o corpo de dança, os artistas plásticos, os poetas, escritores, trazendo recursos através de oficinas relacionadas à cultura. Fortaleceu o carnaval do município, a festa do guaraná, o festival de verão, criou o FEIRARTE. Enfrentou muitas dificuldades e venceu de forma exemplar, sempre usando o bom senso do diálogo em suas negociações. Valorizou os artistas locais de todas as vertentes, criou o Museu do Homem de Maués. No início, foi muito criticado por mim, pois o museu não tinha acervo próprio. Entretanto, Xico absorveu as críticas e, através de ações de parceria com a população, superou essa fase; hoje, o Museu já é um local de referência nos diversos eventos culturais do município de Maués, aberto a toda população e seus seguimentos culturais. Trouxe o cinema, os saraus e os musicais poéticos ao palco do museu.
Xico Gruber, à direita, apresenta a biblioteca municipal ao poeta Thiago de Mello.
Conseguiu que Maués sediasse o Festival Literário Internacional da Floresta – FLIFLORESTA 2010 – cujo evento trouxe para nossa cidade, durante três dias, alguns dos maiores escritores do Amazonas, como Thiago de Mello, Abrahim Baze, Márcio Souza, Zemaria Pinto, Carlos Lodi, Ana Peixoto, Ademir Ramos, além do grupo musical Imbaúba, liderado pelo poeta, cantor e instrumentista Celdo Braga. A participação da classe estudantil de Maués foi maciça, inquirindo os palestrantes e debatedores das diversas mesas, das quais os escritores participaram. A impressão que eles deixaram foi a melhor possível e eles deixaram Maués com saudades e prontos para retornarem ao nosso município. A nossa hospitalidade para com eles foi a marca característica de nosso povo.
Por outro lado, ficou a certeza de nossa valorização como seres humanos e a certeza de que não mais estamos sozinhos nessa luta de inclusão do homem através da cultura e do conhecimento.
Existem agora, dois divisores na história cultural de Maués: antes e depois do Flifloresta.
Tudo isso só foi possível graças à determinação, insistência e visão do Secretário de Cultura e Turismo do Município de Maués, Ademar Fernando Gunsch Gruber – o maueense de coração e de alma que todos chamamos de Xico Gruber – o alemão brasileiro que veio de longe.
*Aldemir Bentes é professor de Língua Portuguesa e Literatura, e mantém o Blog do Aldemir de Maués.