Jorge Tufic
II.5
– OS PROCESSOS BÁSICOS DA IMAGEM (TROPOLOGIA)
Um
poema pode se elaborar sem a intervenção de um metro ou de rimas, enquanto não
pode nascer sem aquela magia interior que se manifesta sob a forma de imagens
ou de metáforas (D. Lewis & Y. Peres, citados por Nelly Novaes Coelho, in
“Literatura & Linguagem”). As figuras não são adornos supérfluos.
Constituem a própria essência da arte poética. São elas que liberam a carga
poética encoberta no mundo, a que a prosa retém cativa (Jean Cohen, idem).
II.5.1
- O SÍMILE
O
símile ou comparação, em poesia, é sempre regido por conectivos ou partículas
comparativas: “como”, “tal como”, “assim como”, “tal qual” etc. O termo real
se polariza ou adere ao termo ideal, assim correspondidos no processo da
comparação, onde ambos, embora figurem na mesma linha do verso, são termos
independentes. O símile é um processo bastante usado, por mais chocantes que
pareçam os termos de comparação. Como nesta “Elegia quase ode”, de Moacyr
Félix:
Como
se feras, vejo
as ruas
agachadas no dorso de uma aurora
II.5.2
- A IMAGEM
Enquanto
no símile os dois objetos do poeta – o real
e o ideal – se distinguem um do outro
como dois jogadores de clubes diferentes, na imagem, o segundo objeto é que
passa a ser o primeiro. Há uma identificação mais profunda entre os dois
termos. São eles, por assim dizer, inseparáveis. No caso da imagem, entretanto,
o objeto em foco, ao invés de ser “como”, “tal” ou “assim como”, ele próprio
toma a forma e a substância do objeto ou do termo ideal. A amada, por exemplo, é luz,
estrela, ar ou distância. E não
como se fosse. “Amor é fogo que arde
sem se ver” (Camões).
II.5.3
- A METÁFORA
A
metáfora, como sua própria raiz já indica, fica além do símile e da imagem, e é neste locus por vezes indeterminado, quando se trata da linguagem
poética, que vamos encontrá-la sujeita às mais variadas interpretações.
Acentua-se ainda mais esta dificuldade, na ausência de um elemento real como
ponto de partida. Deste modo, esse recurso estilístico de que tanto se fala, um
dos mais importantes, sem dúvida, na poesia de todos os tempos e origens, ele
está mais para a intuição e a criatividade, do que mesmo para a lógica.
Projetando-se “além” do texto e do contexto em que ficam inseridos a obra e o
autor de um poema, a metáfora transporta em suas asas outros significados que
extrapolam da simples referência, por mais concreta que ela seja, como é
o caso da “pedra”, no famoso poema de Carlos Drummond de Andrade. Uma
verdadeira pedra no caminho, inclusive para tantos que hajam tentado, e ainda
tentam, desvendar-lhe a ressonância, o impacto e a temperatura ou “os círculos
concêntricos de som e luz”, segundo a visão crítica de George Whalley. Nem o
concretismo, com todo o seu empenho de fugir aos “sintomas” do passado,
conseguiu escapar ao magnetismo semântico dessa palavra. Cassiano Ricardo: “Que
estruturas são essas? O símbolo, a imagem, o mito, a imaginação pictográfica...
Bem pensando, o poema concreto, tal como o praticam DÉCIO PIGNATARI, HAROLDO e
AUGUSTO DE CAMPOS, não deixará (paradoxalmente) de ser uma metáfora gráfica:
uma admirável metáfora gráfica.”