Amigos do Fingidor

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Curso de Arte Poética


Jorge Tufic
 
 
II.5 – OS PROCESSOS BÁSICOS DA IMAGEM (TROPOLOGIA)
 

                   Um poema pode se elaborar sem a intervenção de um metro ou de rimas, enquanto não pode nascer sem aquela magia interior que se manifesta sob a forma de imagens ou de metáforas (D. Lewis & Y. Peres, citados por Nelly Novaes Coelho, in “Literatura & Linguagem”). As figuras não são adornos supérfluos. Constituem a própria essência da arte poética. São elas que liberam a carga poética encoberta no mundo, a que a prosa retém cativa (Jean Cohen, idem).
 

II.5.1 - O SÍMILE

                   O símile ou comparação, em poesia, é sempre regido por conectivos ou partículas comparativas: “como”, “tal como”, “assim como”, “tal qual” etc. O termo real se polariza ou adere ao termo ideal, assim correspondidos no processo da comparação, onde ambos, embora figurem na mesma linha do verso, são termos independentes. O símile é um processo bastante usado, por mais chocantes que pareçam os termos de comparação. Como nesta “Elegia quase ode”, de Moacyr Félix:

 

Como se feras, vejo as ruas
agachadas no dorso de uma aurora

 
II.5.2 - A IMAGEM
 

                   Enquanto no símile os dois objetos do poeta – o real e o ideal – se distinguem um do outro como dois jogadores de clubes diferentes, na imagem, o segundo objeto é que passa a ser o primeiro. Há uma identificação mais profunda entre os dois termos. São eles, por assim dizer, inseparáveis. No caso da imagem, entretanto, o objeto em foco, ao invés de ser “como”, “tal” ou “assim como”, ele próprio toma a forma e a substância do objeto ou do termo ideal. A amada, por exemplo, é luz, estrela, ar ou distância. E não como se fosse. “Amor é fogo que arde sem se ver” (Camões).

 
II.5.3 - A METÁFORA

                   A metáfora, como sua própria raiz já indica, fica além do símile e da imagem, e é neste locus por vezes indeterminado, quando se trata da linguagem poética, que vamos encontrá-la sujeita às mais variadas interpretações. Acentua-se ainda mais esta dificuldade, na ausência de um elemento real como ponto de partida. Deste modo, esse recurso estilístico de que tanto se fala, um dos mais importantes, sem dúvida, na poesia de todos os tempos e origens, ele está mais para a intuição e a criatividade, do que mesmo para a lógica. Projetando-se “além” do texto e do contexto em que ficam inseridos a obra e o autor de um poema, a metáfora transporta em suas asas outros significados que extrapolam da simples referência, por mais concreta que ela seja, como é o caso da “pedra”, no famoso poema de Carlos Drummond de Andrade. Uma verdadeira pedra no caminho, inclusive para tantos que hajam tentado, e ainda tentam, desvendar-lhe a ressonância, o impacto e a temperatura ou “os círculos concêntricos de som e luz”, segundo a visão crítica de George Whalley. Nem o concretismo, com todo o seu empenho de fugir aos “sintomas” do passado, conseguiu escapar ao magnetismo semântico dessa palavra. Cassiano Ricardo: “Que estruturas são essas? O símbolo, a imagem, o mito, a imaginação pictográfica... Bem pensando, o poema concreto, tal como o praticam DÉCIO PIGNATARI, HAROLDO e AUGUSTO DE CAMPOS, não deixará (paradoxalmente) de ser uma metáfora gráfica: uma admirável metáfora gráfica.”
 
                   Não é de estranhar a constatação do criador de “Martim-Cererê”, para quem toda poesia é metáfora.