Amigos do Fingidor

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Lembrando Luiz Bacellar


                                                        Francisco Vasconcelos

 

A heráldica lembrança do Poeta
se  eterniza nos poemas que deixou.

Nos poemas
e na sempre presença de seus gestos,

de seu  estranho jeito de ser,
exigente na  postura

e no inimitável modo de olhar e sentir o mundo.
Quão diferente foi ele na ortodoxia de seus quereres,

na curiosa excentricidade de seus costumes
e, sobretudo, na indiscutível perfeição de seu fazer poético.

Cauteloso artesão das letras,
os versos que prodigamente nos deixou

têm sabor de luas dadivosas,
dessas que nos inundam a alma

de uma inarredável vontade de querer mais e mais.


Exímio alquimista do belo,

era do mais íntimo  de seu sensível ser
que lograva  transformar em poesia,

até mesmo o insólito e desprezível,
como fez ao lamentar a sorte dos indesejáveis moradores

dos esconderijos feitos ao pé das velhas e românticas mangueiras
da Rua da Conceição.

(onde irão morar os ratos, de ventre gordo e pelado?)
De tais mangueiras,

chegou, até mesmo a ouvir a saudosa conversa,
nos seus lamentos e nas ternas reminiscências casimirianas .

(Oh que saudades que tenho...)
E era tal a lembrança que tinha da Rua da Conceição,

que fico a imaginar ter sido  também ali por perto que,

cauteloso e cismarento,
escondia seus ardentes desejos do solitário

e consciente eremita que fora a vida inteira.

 
Na abrangente alquimia de seus versos,

com um simples giro do polegar nas pedras de seu isqueiro
despertava miríades de estrelas,

logo surgindo (só para vê-las) a bailarina chama
na qual, compulsiva e inevitavelmente

se comprazia em atender aos nicóticos caprichos 
do seu mais frequente e traiçoeiro amigo,

precursor da agonia.

 

E as recordações que tinha ele das treze casas da rua,
numa das quais morou por muito tempo!

Como esquecer a terna e doce balada que dedicou
à Senhora Dona Donana, ex-dona do quarteirão?

 

Ah, Poeta, quanta saudade plantaste com teus versos.
Agora, velho amigo,

livre das amarras que te continham,
é com a certeza do eterno que segues o teu caminhar.

E vais vestido exatamente como gostarias de ir:
paletó feito de brumas,

camisa de neblina,
cachecol à moda russa

e,  na lapela,

um breve floco de nuvens.

Vai, poeta!
Os que ficamos,

por muito tempo

ouviremos  embevecidos

os maviosos sons de tua frauta de barro...

Brasília/outubro/2012


Tarde de sábado, julho, 2006, no El Perikiton.
Da esquerda para a direita: Zemaria Pinto, Luiz Bacellar, Tenório Telles e Mauri Marques.