Amigos do Fingidor

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Sobre livros, não-livros, nuvens e outros símbolos


 

Zemaria Pinto
 


Perdão, leitor. Perdão, leitora. Trata-se de um equívoco: isto que tu tens em mãos não é um livro. Parece um livro, uma brochura, mas o que “parece um livro” é apenas a forma exterior, e, como toda forma, é perecível. Toda forma é fluida, toda forma é vã. Abre-o, vira as páginas. Assim não: lentamente. Uma a uma. Ainda te parece um livro?

Este é um livro único. Não terá segunda edição. Não será traduzido para idiomas estranhos – e nem mesmo para aqueles que ouvimos misturados ao nosso velho vernáculo. Não venderá aos milhares, não renderá comendas ao autor e nem concorrerá ao Nobel, ao Pulitzer ou mesmo ao Jabuti. Isto que tu tens em mãos, querida leitora, leitor querido, é um não-livro.

O que tens em mãos – leitor, leitora – é uma nuvem. Se não tiveres o necessário cuidado que se deve ter com as nuvens, ela se esvanecerá em tuas mãos. Mas se tiveres ainda a virtude da paciência perseverante notarás mudanças físicas no peso e no volume em tuas mãos. E aí – só depende de ti –, verás uma estrela, um coração, uma flor, ou, quem sabe, uma espada se transformando em tuas mãos.

Porque isto é a obra de Drummond: muito mais que livros, muito mais que poemas, muito mais que palavras – magia, alumbramento, plenitude. O milagre da poesia.

Pois o que tens em mãos é puro encantamento. É fruto do amor e da ousadia de quem muito ama os livros. De quem muito ama a poesia. De quem muito ama a vida. Tenório Telles, amante e amador – cavaleiro de todas as Dulcineias do universo. Pois só tanto amor justifica este singelo gesto de ternura: um livro transbordante de poesia para homenagear os 100 anos de nascimento daquele que é a principal referência da poesia brasileira das últimas seis ou sete décadas – e que ainda o será por muito tempo, pois Drummond não é apenas um escritor: é um acontecimento.

Manifesto: já é tempo de tornar Drummond um símbolo nacional – tal como o são a Bandeira e o Hino. É tempo de fazer de Drummond leitura cotidiana nas escolas do país; divulgar a poesia de Drummond nos outdoors, nos shoppings, nos ônibus, nas praças, nos palanques, nos púlpitos, nos muros, nas calçadas, nos intervalos comerciais. É preciso que sintamos orgulho de Drummond, como sentimos orgulho da seleção de futebol, da seleção de vôlei, do Guga, do Senna ou do Pelé.

Para quem não conhecia Drummond, este livrinho (ou estrela ou coração ou flor...) é a melhor introdução. Para quem já o conhecia... Bem, que tal começar levando a obra completa do poeta à cabeceira?

A leitura regular de Drummond não provocará mudanças radicais na estrutura social ou econômica do país. Mas, por força da sua verdade, a compreensão da obra de Drummond dará ensejo à formação de cidadãos mais completos.

 
(Apresentação do livro O anjo cético e o “Sentimento do mundo”, de Tenório Telles [Manaus: Valer, 2003], homenagem ao centenário do poeta itabirano.)  
 
Drummond, por William Medeiros.