Amigos do Fingidor

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Lábios que beijei 19



Zemaria Pinto
Lúcia


Lúcia era uma beleza estranha. Numa primeira impressão, parecia feia: tinha um rosto desproporcional, e quando sorria, o que era sempre, a gengiva aparecia tanto quanto os brancos e enormes dentes. O mais incomum, entretanto, eram os cabelos curtíssimos de Lúcia, a “la garçonne”, uma novidade na cidadezinha. Os moleques, desprezados, chamavam-na “cara de cavalo”. As molecas, despeitadas, “joãozinho”. A primeira vez que olhei Lúcia de perto, os olhos verdes faiscando, a pele amarelo-queimado, mesma cor do cabelo, inacreditavelmente sedosa, o hálito indefinível – flores do campo? jasmim? rosas? –, percebi o quanto era bela. Atleta, Lúcia era a melhor em qualquer modalidade. Lembro-me o suor encharcando a grossa camiseta, o cabelo em desalinho, o peito arfante sob o corpete, e a saliva salgada no beijo da vitória, um tapa na arquibancada, vibrando volúpia e essências.