Zemaria Pinto
Lúcia
Lúcia era uma beleza
estranha. Numa primeira impressão, parecia feia: tinha um rosto
desproporcional, e quando sorria, o que era sempre, a gengiva aparecia tanto
quanto os brancos e enormes dentes. O mais incomum, entretanto, eram os cabelos
curtíssimos de Lúcia, a “la garçonne”, uma novidade na cidadezinha. Os
moleques, desprezados, chamavam-na “cara de cavalo”. As molecas, despeitadas,
“joãozinho”. A primeira vez que olhei Lúcia de perto, os olhos verdes
faiscando, a pele amarelo-queimado, mesma cor do cabelo, inacreditavelmente
sedosa, o hálito indefinível – flores do campo? jasmim? rosas? –, percebi o
quanto era bela. Atleta, Lúcia era a melhor em qualquer modalidade. Lembro-me o
suor encharcando a grossa camiseta, o cabelo em desalinho, o peito arfante sob
o corpete, e a saliva salgada no beijo da vitória, um tapa na arquibancada,
vibrando volúpia e essências.