João
Bosco Botelho
Não
há dúvida da universalidade da crença do mau-olhado. Luís da Câmara Cascudo, no
seu extraordinário Dicionário do Folclore
Brasileiro, sustenta sua antiguidade e presença nos cinco continentes.
O
grande mestre da mitologia grega, Junito Brandão, assinalou a origem pré-olímpica
do mau-olhado, explicando as mudanças na transição greco-romana para absorver a
concepção helenística predominante nos países cristãos. Na mitologia grega, a imortal
Medusa, com a cabeça coberta de serpentes, possuía olhos com excepcional brilho
e o olhar maligno que transformava em pedra quem ousasse fixá-los.
Carlo
Ginzburg interpretou do modo magistral os cultos agrários, no século 17, em uma
sociedade camponesa italiana. A crença no mau-olhado era comum naquela
comunidade e o tratamento só obtinha sucesso se realizado por alguém com poderes
especiais: o benandanti ou andarilho do bem. Em um dos processos
do Santo Oficio, para punir o benandanti, no depoimento de um
dos acusados, está claro o entendimento do mau-olhado: O que significa, pergunta o
inquisidor, ter mau-olhado? E a jovem explica: nós dizemos que têm mau-olhado
as mulheres que secam o leite das mulheres que amamentam e são também bruxas
que comem as crianças.
As
compreensões do mau-olhado são semelhantes e recebem nomes de significâncias próximas:
olho de seca pimenteira, malocchio, evil eye, bose blick, mal de
ojo, olho grande e olho gordo.
Os
relatos mantêm similitudes: a pessoa atingida pelo mau‑olhado sente, imediatamente
ou após algumas horas, apatia generalizada, dores no corpo e na cabeça, alterações
na digestão, inapetência, irritação e desânimo. Quando o alvo é criança, as
consequências são mais intensas, podendo incluir: sonolência profunda, olhos
encovados e moleiras afundadas.
O
mau-olhado é reconhecido como uma das doenças que devem ser tratadas pelos
curadores populares. Em algumas regiões brasileiras, o ritual de cura continua
sendo realizado com a ajuda de um ramo de arruda ou erva doce tirado do galho,
semelhante ao registro de Luiz Edmundo, no Rio de Janeiro, no século 18:
Todo mal que nesse
corpo entrou,
Ar de névoa, ar de
cinza,
Ar de galinha choca, ar
de cisco,
Ar de vivo em pecado,
Ar de morto
excomungado,
Ar de todo o
mau-olhado,
Seja desse corpo
apartado,
Deus te desacanhe de
quem te acanhou,
Deus te desinveje de
quem te invejou.
De
modo geral, o malefício do mau-olhado não é reconhecido pelos médicos. Contudo,
a ciência não consegue explicar o maior paradoxo das práticas médicas: em qual
dimensão da matéria viva o “normal” se transformaria em “doença”. Se é que,
realmente, existe a doença como a medicina concebe. Desse modo, a explicação da
veracidade do mau-olhado poderia estar numa dimensão ainda desconhecida dos
corpos. Dessa forma, a medicina não tem respostas para todas as perguntas. Os médicos
observam no cotidiano, que certos doentes portadores de determinados cânceres, que
evoluem favoravelmente ao tratamento, ao tomarem conhecimento da gravidade da
própria doença, inexplicavelmente, pioram e acabam morrendo rápido. Ao contrário,
outros que sabem da doença e lutam para viver, acabam superando os índices das
estatísticas de sobrevivência.
O
conhecimento historicamente acumulado insiste, há milhares de anos, na
veracidade do mau-olhado sugerindo que as emoções, ainda pouco compreendidas
pela medicina, interferem no rumo de certas doenças e na saúde das pessoas.