Amigos do Fingidor

quinta-feira, 22 de maio de 2014

O mau-olhado




João Bosco Botelho

Não há dúvida da universalidade da crença do mau-olhado. Luís da Câmara Cascudo, no seu extraordinário Dicionário do Folclore Brasileiro, sustenta sua antiguidade e presença nos cinco continentes.
O grande mestre da mitologia grega, Junito Brandão, assinalou a origem pré-olímpica do mau-olhado, explicando as mudanças na transição greco-romana para absorver a concepção helenística predominante nos países cristãos. Na mitologia grega, a imortal Medusa, com a cabeça coberta de serpentes, possuía olhos com excepcional brilho e o olhar maligno que transformava em pedra quem ousasse fixá-los.
Carlo Ginzburg interpretou do modo magistral os cultos agrários, no século 17, em uma sociedade camponesa italiana. A crença no mau-olhado era comum naquela comunidade e o tratamento só obtinha sucesso se realizado por alguém com poderes especiais: o benandanti ou andarilho do bem. Em um dos processos do Santo Oficio, para punir o benandanti, no depoimento de um dos acusados, está claro o entendimento do mau-olhado: O que significa, pergunta o inquisidor, ter mau-olhado? E a jovem explica: nós dizemos que têm mau-olhado as mulheres que secam o leite das mulheres que amamentam e são também bruxas que comem as crianças.
As compreensões do mau-olhado são semelhantes e recebem nomes de significâncias próximas: olho de seca pimenteira, malocchio, evil eye, bose blick, mal de ojo, olho grande e olho gordo.
Os relatos mantêm similitudes: a pessoa atingida pelo mau‑olhado sente, imediata­mente ou após algumas horas, apatia generalizada, dores no corpo e na cabeça, alterações na digestão, inapetência, irritação e desânimo. Quando o alvo é criança, as consequências são mais intensas, podendo incluir: sonolência profunda, olhos encovados e mo­leiras afundadas.
O mau-olhado é recon­hecido como uma das doenças que devem ser tratadas pelos curadores populares. Em algumas regiões brasileiras, o ritual de cura continua sendo realizado com a ajuda de um ramo de arruda ou erva doce tirado do galho, semelhante ao registro de Luiz Edmundo, no Rio de Janeiro, no século 18:
Todo mal que nesse corpo entrou,
Ar de névoa, ar de cinza,
Ar de galinha choca, ar de cisco,
Ar de vivo em pecado,
Ar de morto excomungado,
Ar de todo o mau-olhado,
Seja desse corpo apartado,
Deus te desacanhe de quem te acanhou,
Deus te desinveje de quem te invejou.

De modo geral, o malefício do mau-olhado não é reconhecido pelos médicos. Contudo, a ciência não consegue explicar o maior paradoxo das práticas médicas: em qual dimensão da matéria viva o “normal” se transformaria em “doença”. Se é que, realmente, existe a doença como a medicina concebe. Desse modo, a explicação da veracidade do mau-olhado poderia estar numa dimensão ainda desconhecida dos corpos. Dessa forma, a medicina não tem respostas para todas as perguntas. Os médicos observam no cotidiano, que certos doentes portadores de determinados cânceres, que evoluem favoravelmente ao tratamento, ao tomarem conhecimento da gravidade da própria doença, inexplicavelmente, pioram e acabam morrendo rápido. Ao contrá­rio, outros que sabem da doença e lutam para viver, acabam superando os índices das estatísticas de sobre­vivência.
O conhecimento historicamente acumulado insiste, há milhares de anos, na veracidade do mau-olhado sugerindo que as emoções, ainda pouco compreendidas pela medicina, interferem no rumo de certas doenças e na saúde das pessoas.