Amigos do Fingidor

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Lábios que beijei 51



Zemaria Pinto

Francis


Leblon, inverno, inferninho chique, trilha sonora: Grease. Francis vestia um costume branco tirado de um filme noir. Morena, cabelos lisos derramando-se pelas costas e pernas compridas que pareciam deixá-la mais alta do que realmente era. Já ia pelo quarto uísque quando ela se aproximou e pediu um cigarro. Como não fumava, paguei-lhe uma carteira e ofereci-lhe uma bebida, que ela de pronto aceitou. Acho que Martini. Feitas as apresentações, fico sabendo que Francis era figurante de uma grande rede de TV, produtora de novelas. Aquele lado da batalha era apenas um complemento, enquanto não lhe chegava uma oportunidade de ser protagonista. Estudava teatro e era boa aluna, pelo que pude testar, dos meus conhecimentos sobre uns dois ou três gregos e o indefectível Shakespeare. E ela falou-me de Brecht e Beckett e Dias Gomes e Zé Celso e Artaud e Antunes e Boal. Francis tinha o olhar distante e às vezes parecia que não estava ali. Os dentes impecavelmente brancos, entretanto, davam uma luz extraordinária a qualquer esboço de sorriso. Dançamos e bebemos muito, antes de irmos para o meu hotel, a duas quadras da boate. A última imagem que guardei de Francis: às 9 da manhã, ela atravessando a rua, altiva e elegante, sob uma chuva fininha. Essa memória ficou-me gravada em preto e branco.