João
Bosco Botelho
Quaisquer
que tenham sido os motivos que levaram os nossos ancestrais distantes, há
10.000 anos, praticarem a craniotomia (trepanação ou a abertura do crânio), não
podem ser dissociados à busca do escondido atrás da pele.
Outros
registros da paleopatologia fazem supor a existência de indivíduos que se
especializaram para tratar as doenças. As fraturas secundárias ao trauma não
teriam sido curadas, com a completa consolidação, sem os cuidados de imobilização,
feito por outra pessoa, seguida do repouso necessário. Desta forma, se tornava
necessário não só a ação consentida do curador, mas também do ato cooperativo
entre outros membros do grupo social na oferta do alimento e na proteção.
Permanece
como um marco nas atitudes do homem na busca dos mistérios do corpo, os crânios
trepanados na pré‑história. Muitos desses crânios foram abertos cirurgicamente,
em diferentes lugares da Europa. Alguns indivíduos submetidos à trepanação
sobreviveram por longo tempo, o suficiente para que as bordas do osso cortado
se regenerassem.
O
local escolhido do acesso para cortar os espessos ossos cranianos parece ter
tido uma significação específica, também não esclarecida. Alguns povos faziam a
craniotomia no osso temporal, outros do parietal, retirando pedaços com forma
geométrica diferente, de poucos centímetros, até grandes aberturas, como a do
crânio achado em Collombey‑Muraz, na Suíça, da qual o doente não sobreviveu.
A
diversidade de como foram feitas contribuiu para pressupor que as trepanações fizeram
parte de um conjunto maior de intervenções do homem no corpo humano. O curador
deixou de ser mero espectador para tentar mudar, com a ação dele, o curso da
saúde.
Não
importa quais tenham sido os motivos para a concordância do paciente e do
curador, respectivamente, para aceitar e fazer a intervenção, o fato é que
foram realizadas e é pouco provável que tenham sido todas praticadas sob violência.
Os
pesquisadores continuam a acirrada discussão acerca das indicações da cirurgia.
Alguns acham que eram feitas com objetivo puramente religioso; outros apostam
que existiu tentativa para sanar alguma queixa grave e permanente. Todavia, é
indiscutível que em ambas as alternativas, aceitaram o pressuposto de que o
objetivo a ser alcançado estava alojado dentro do crânio.
O
extraordinário é o fato de que, no século 18, os viajantes das ilhas no Pacífico
sul, asseguraram que o ritual da craniotomia entre aqueles povos era executada para
retirar os demônios causadores de doenças.
Igualmente
assombroso nas culturas pré‑incaicas, notadamente na Tiawanaku, e na incaica, a
comprovação nas escavações arqueológicas das múmias magnificamente conservadas
que foram submetidas à trepanação em vida.
A
pergunta lógica, até hoje sem resposta, seria saber porque certas culturas que
não mantiveram relações inter-étnicas, em intervalo de tempo tão longo, tenham
realizado o mesmo procedimento: abertura intencional dos ossos do crânio.
Essa
busca do "mais importante dentro da cabeça" pode estar ligada ao
culto do crânio, com comprovação arqueológica de 15.000. O conhecimento empírico impôs a certeza da maior
importância do conteúdo do crânio: o trauma na cabeça tinha consequências
imediatas muito mais graves do que outra na perna. Não é impossível que essa observação do conhecimento empírico – o maior valor do crânio em relação às partes do
corpo – ter motivado o acesso ao crânio como parte sagrada do corpo.