Paulo Sérgio Medeiros
Já previamente avisado que a turma X
do ensino Y era casca grossa, tomei uma dose de cuidados redobrados. Confio
muito no teor de convencimento da minha cachaça. Dizem que nos primórdios a
danada era usada lá pelas bandas do Nordeste para amolecer carne de porco
selvagem. Então, foi com ela que abri os serviços. Antes, porém, temperatura do
estômago: zero grau. Coisa natural da primeira aula. Frio agasalhado, hora de
exorcizar a fama de bad boys daqueles
"sabem de nada, inocentes".
De mochila nas costas, all star, camisa de meia e meu velho
guerreiro jeans desbotado, entrei na sala meio que despercebido. Eles estavam
entretidos numa conversa pra lá de animada. E aí moçada, de boa? O com laivos
de líder Black Blocs logo catapultou um "Olha aí, professor garotão na
área!"
Olhei pra ele com o mesmo olhar que
olhei para a atitude da Sheislane. Mas o enterro seguiu e me apresentei ainda
em meio àquela patuscada. Sentei sobre a mesa e abri o livro da minha vida.
Paulatinamente, eles foram se interessando pela minha conversa (a)fiada.
Quando mencionei a Sharp e a
Transbrasil, empresas que tive o desprazer e o prazer de trabalhar. Isso!
exatamente nessa ordem. Interrompendo a minha fala um eco de “Pé frio o senhor,
hein!” flutuou na acústica daquela sala. A gargalhada foi coletiva. A essa
altura do campeonato eles já não interagiam entre eles, só comigo.
O bate papo informal e motivacional
foi encerrado com um verso de Mário Quintana. Pois falava da importância da
leitura e fiz questão de frisar: Moçada, não se esqueça que “Um outro mundo
existe...”
Rolou
um aplauso no final e um “esse professor é rodado, moleque!” em voz masculina.
Foi interessante ver a mudança de feição daqueles jovens já meio calejados da
mesmice de nossas aulas. Enquanto falava, me lembrava do videoclipe de “Black
and White” do Michael Jackson. Mas o motivo que me levou a redigir esse texto,
pois deveria estar preparando minhas aulas de amanhã, foi o aluno com pinta de
líder Black Blocs ter ido até minha mesa e dizer: Professor, hoje o senhor me
fez acreditar que um outro mundo existe.