Amigos do Fingidor

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Um outro mundo existe...



Paulo Sérgio Medeiros

           Já previamente avisado que a turma X do ensino Y era casca grossa, tomei uma dose de cuidados redobrados. Confio muito no teor de convencimento da minha cachaça. Dizem que nos primórdios a danada era usada lá pelas bandas do Nordeste para amolecer carne de porco selvagem. Então, foi com ela que abri os serviços. Antes, porém, temperatura do estômago: zero grau. Coisa natural da primeira aula. Frio agasalhado, hora de exorcizar a fama de bad boys daqueles "sabem de nada, inocentes".
           De mochila nas costas, all star, camisa de meia e meu velho guerreiro jeans desbotado, entrei na sala meio que despercebido. Eles estavam entretidos numa conversa pra lá de animada. E aí moçada, de boa? O com laivos de líder Black Blocs logo catapultou um "Olha aí, professor garotão na área!"
           Olhei pra ele com o mesmo olhar que olhei para a atitude da Sheislane. Mas o enterro seguiu e me apresentei ainda em meio àquela patuscada. Sentei sobre a mesa e abri o livro da minha vida. Paulatinamente, eles foram se interessando pela minha conversa (a)fiada.
           Quando mencionei a Sharp e a Transbrasil, empresas que tive o desprazer e o prazer de trabalhar. Isso! exatamente nessa ordem. Interrompendo a minha fala um eco de “Pé frio o senhor, hein!” flutuou na acústica daquela sala. A gargalhada foi coletiva. A essa altura do campeonato eles já não interagiam entre eles, só comigo.
           O bate papo informal e motivacional foi encerrado com um verso de Mário Quintana. Pois falava da importância da leitura e fiz questão de frisar: Moçada, não se esqueça que “Um outro mundo existe...”
           Rolou um aplauso no final e um “esse professor é rodado, moleque!” em voz masculina. Foi interessante ver a mudança de feição daqueles jovens já meio calejados da mesmice de nossas aulas. Enquanto falava, me lembrava do videoclipe de “Black and White” do Michael Jackson. Mas o motivo que me levou a redigir esse texto, pois deveria estar preparando minhas aulas de amanhã, foi o aluno com pinta de líder Black Blocs ter ido até minha mesa e dizer: Professor, hoje o senhor me fez acreditar que um outro mundo existe.