João Bosco Botelho
As culturas podem ser compreendidas
como processos que interligam o social, a natureza circundante, a História e a
genética. Desta forma, não faz sentido pensar as expressões artísticas, na
pré-história, como sendo arte primitiva, simples expressões da infância da
humanidade ou ainda etapas da evolução humana.
Esse pressuposto trouxe a arte rupestre
para o confronto social, onde também expressa ligações às necessidades individuais
e coletivas. Os nossos ancestrais ao aperfeiçoarem a organização social,
mantiveram a busca incessante do significativo da vida e da morte. A crença no
renascimento e a formidável fé no poder divino estão contidas no cerne das
indagações que continuam afligindo o homem.
A presença de fartos alimentos e
utensílios enterrados junto ao morto, desde doze mil anos, traduz a esperança de
que ele continuará vivendo após a morte.
A maioria dos corpos pré-históricos
foram sepultados obedecendo a determinadas regras: a cabeça voltada ao leste,
definindo a clara intencionalidade com o curso do nascimento do sol.
No abrigo rochoso La Marche, na França,
os desenhos rupestres reproduzem temas humanos com mais detalhes. São cinquenta
e sete gravuras de cabeças humanas isoladas e outras tantas menos completas. Nessas
figuras, os personagens masculinos são retratados com os cabelos curtos e
cuidadosamente arrumados, alguns com barba e outros com bigodes. As mulheres
são identificadas quase uniformemente pelos quadris largos e menor estatura em
relação aos homens. As representações femininas mais conhecidas, desse período,
são as “Vênus”: estatuetas de mulheres muito obesas, grandes seios e ancas
muito largas. Existem mais de cem encontradas em diferentes lugares da Europa e
da Ásia.
A Vênus mais conhecida é a de
Willendorf, datando em torno de trinta mil anos. As esculturas de mulheres do
Pleistoceno superior e Neolítico apresentam linhas tão uniformes pressupondo
simbolismo do ideal, já que todas, independente do lugar onde foram encontradas,
algumas em sítios arqueológicos distando milhares de quilômetros de outros,
possuem as mesmas características físicas e o mesmo tamanho, entre 20 e 30
centímetros de altura: Rassempoy (França), Sireuil (França), Grimaldi (Itália),
Willenforf (Áustria), Catal Hyuk ( Turquia), Tin-Hin (Síria) e Tylden-Farm ( Zimbabwe).
As representações dos animais na arte
rupestre parecem estar relacionadas à sobrevivência coletiva, isto é, a escolha
do animal pintado ou esculpido está de acordo com a natureza circundante. Em
alguns casos, o urso ou o cavalo; em outras, o bisão ou a rena.
O absolutamente extraordinário, expondo
a construção do subjetivo ancestral e a escultura em osso, da mulher sem
conseguir parir, com intenso edema vulvar, sob uma rena, com mamas túrgidas
indicando parto recente. Não é impossível que o artista anônimo desejasse demonstrar
a passagem da força do animal à mulher prenha, com o intuito de ajudar o nascimento
da criança, no parto que se mostrava difícil.
Igual raciocínio pode amparar a interpretação
do simbolismo das pinturas neolíticas, do bruxo dançarino de Afvalingskop, na
Ásia Central, e a do médico-feiticeiro, da gruta de Trois Frères, nos Pirineus franceses. Ambos, travestidos de animal
em movimento de dança, fazendo supor a participação em algum tipo de ritual. Os
dois personagens, pintados em lugares muito distantes, há 10.000 anos, assemelham-se
muito ao pajé, no Norte dos Estados Unidos.
Desse modo, é possível compreender a
importância do sistema simbólico, no Paleolítico Superior, baseado nas fases
lunares, na construção da subjetividade.