Zemaria Pinto
Helena
Numa de minhas idas a
Coari, sempre por motivos profissionais, conheci Helena – noiva de um colega de
trabalho, gerente da agência local. Na metade da terceira década de vida,
Helena era uma noiva temporã. Naquela época, no interior, as moças com mais de
20 anos entravam direto no caritó, de onde não retornavam, condenadas a eternas
tias. Helena era alegre, vibrante, espontânea e não ligava muito para essa
possibilidade. O casamento não era sua meta: professora da rede pública, estava
sempre estudando, aperfeiçoando-se, obstinada por conhecimento. O noivo,
militante de um partido clandestino, cumpria um “degredo” por suas ações
políticas explícitas. Não deve ter sido difícil apaixonar-se pela doce Helena,
uma mulher moderna, mas com aquele indescritível e encantador bucolismo das
moças interioranas, um ritmo de vida ao sabor dos ventos que embalam as
correntes dos rios amazônicos. Minha cultura de almanaque deve ter despertado a
atenção de Helena, em meio a intermináveis discussões sobre ditadura, tortura,
guerrilha, exílio, assuntos que me entediavam e dos quais fugia falando sobre
qualquer outro tema. Numa tarde chuvosa de março, a voz de Helena ao telefone
convida-me a conversar – viera fazer um curso e estava se sentindo muito só.
Pequena, magra, a pele de leite, os olhos azuis, claríssimos e inquietos, os
cabelos de íntegra negridão – e as sardas distribuídas com exuberância e
harmonia por todo o corpo – faziam de Helena uma beleza em mutação, variando de
acordo com a luz ou com a hora do dia. O prazer com Helena era dobrado: ela
aprendia e ensinava. Veio o casamento, a primeira gravidez, uma transferência,
outra gravidez. Em mim ficou-me apenas a lembrança primordial daquela tarde
chuvosa, lembrança das cores de Helena, da beleza transfigurada de Helena, da
permanente inquietude da doce Helena.