Amigos do Fingidor

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Homens e deuses curando doenças



João Bosco Botelho

 

No panteão mesopotâmico, de 2.500 anos, entre os deuses causadores de doenças, se destaca o temido Pazuzu, cuja representação é uma mistura grotesca de homem, leão e escorpião, com quatro asas emplumadas, pernas e garras.
Por outro lado, as descrições dos quadros clínicos de muitas doenças eram de extraordinária clareza: febres acompanhadas de outros sinais e sintomas sugestivos de malária; apoplexia, provavelmente resultantes de lesões cerebrais agudas; tuberculose em diferentes fases da evolução clínica; muitâme, uma doença infecciosa endêmica desconhecida; distúrbios mentais, atribuídos aos ferimentos ou aos demônios; doenças dos olhos e ouvidos; dores articulares; tumores; abscessos; taquicardia; lesões da pele, inclusive hanseníase e doenças venéreas.
Os sintomas de muitas doenças foram descritos com extraordinária precisão:
Tuberculose pulmonar: “o doente tosse muito e de modo contínuo; a expectoração é densa e, às vezes, contém sangue, sua respiração dá um som semelhante ao de uma flauta, sua pele é fria mas os pés estão quentes, ele sua muito e seu coração está muito perturbado. Quando a doença é extremamente grave os intestinos se abrem muitas vezes”;
Otite: “Fogo penetra no interior do ouvido, paralisando a audição. Grande quantidade de pus irrompe no local e seu estado é de dores”;
Gastrite: “Quando alguém come e bebe até ficar satisfeito, sentindo depois dores no estômago como se sua pele inteira queimasse como fogo”;
Hepatite: “Quando os olhos de alguém ganham uma coloração amarela e a doença avança até sua vista, de modo que o interior do olho se torna amarelo como cobre... quando ele vomita e a bebida... quando até seu rosto e o corpo todo se torna amarelo, então a enfermidade resseca o corpo todo do doente, de modo que ele chega a falecer”;
Asma brônquica:Quando o doente sofre de tosse; quando sua traquéia produz um chiado ao respirar; quando tem acessos de tosse...” 

É possível que essas maravilhosas descrições clínicas, entre muitas, foram feitas por médicos, reconhecidos pela administração:
Ashipu, como responsável pelo diagnóstico da doença, indicava o deus ou o demônio causador e analisava se os pecados do doente estavam relacionados à doença. Também prescrevia o rito do encantamento que deveria ser seguido para afastar o mal e obter a cura;
Asu, o médico e especialista em remédios obtidos a partir das plantas medicinais também cirurgião. Muitos vegetais com propriedades curativas eram receitados, como a raiz da mandrágora que permaneceu no receituário até o final da Idade Média. Como essa planta lembra, grosseiramente, o corpo humano, era-lhe atribuída propriedade mágica.
Baru, curador ligado às idéias e crenças religiosas, adivinhador, predizia o futuro, orientando contra as doenças e catástrofes coletivas.
Não é possível separar, rigidamente, as áreas de atuação dos três curadores: todos trabalhavam ligando o conhecimento historicamente acumulado  às crenças e ideias religiosas.
O ensino da medicina ocorria no interior dos templos e ficava restrito aos parentes dos sacerdotes e ricos.
Esse fato não é novidade, tanto nas sociedades escravistas quanto no presente é certo que os pobres têm muito menos acesso aos tratamentos médicos e à possibilidade de serem estudantes de Medicina. Na Mesopotâmia, não era diferente. Assim, é precisa a observação de Heródoto, no século 5 a.C.: levar os doentes à praça pública, para serem tratados por alguém que tivesse experiência na mesma doença.