João Bosco Botelho
No panteão mesopotâmico, de 2.500 anos, entre os deuses
causadores de doenças, se destaca o temido Pazuzu, cuja representação é uma
mistura grotesca de homem, leão e escorpião, com quatro asas emplumadas, pernas
e garras.
Por
outro lado, as descrições dos quadros clínicos de muitas doenças eram de
extraordinária clareza: febres acompanhadas de outros sinais e sintomas sugestivos
de malária; apoplexia, provavelmente resultantes de lesões cerebrais agudas; tuberculose
em diferentes fases da evolução clínica; muitâme,
uma doença infecciosa endêmica desconhecida; distúrbios mentais, atribuídos aos
ferimentos ou aos demônios; doenças dos olhos e ouvidos; dores articulares; tumores;
abscessos; taquicardia; lesões da pele, inclusive hanseníase e doenças venéreas.
Os sintomas de muitas doenças foram descritos
com extraordinária precisão:
Tuberculose pulmonar: “o doente tosse muito e
de modo contínuo; a expectoração é densa e, às vezes, contém sangue, sua
respiração dá um som semelhante ao de uma flauta, sua pele é fria mas os pés
estão quentes, ele sua muito e seu coração está muito perturbado. Quando a
doença é extremamente grave os intestinos se abrem muitas vezes”;
Otite: “Fogo penetra no interior do ouvido,
paralisando a audição. Grande quantidade de pus irrompe no local e seu estado é
de dores”;
Gastrite:
“Quando alguém come e bebe até ficar satisfeito, sentindo depois dores no
estômago como se sua pele inteira queimasse como fogo”;
Hepatite: “Quando os olhos de alguém ganham uma
coloração amarela e a doença avança até sua vista, de modo que o interior do
olho se torna amarelo como cobre... quando ele vomita e a bebida... quando até
seu rosto e o corpo todo se torna amarelo, então a enfermidade resseca o corpo
todo do doente, de modo que ele chega a falecer”;
Asma brônquica: “Quando o doente sofre de tosse; quando sua traquéia produz um
chiado ao respirar; quando tem acessos de tosse...”
É possível que essas maravilhosas descrições clínicas,
entre muitas, foram feitas por médicos, reconhecidos pela administração:
Ashipu, como
responsável pelo diagnóstico da doença, indicava o deus ou o demônio causador e
analisava se os pecados do doente estavam relacionados à doença. Também
prescrevia o rito do encantamento que deveria ser seguido para afastar o mal e obter
a cura;
Asu, o
médico e especialista em remédios obtidos a partir das plantas medicinais
também cirurgião. Muitos vegetais com propriedades curativas eram receitados, como
a raiz da mandrágora que permaneceu no receituário até o final da Idade Média.
Como essa planta lembra, grosseiramente, o corpo humano, era-lhe atribuída
propriedade mágica.
Baru, curador
ligado às idéias e crenças religiosas, adivinhador, predizia o futuro,
orientando contra as doenças e catástrofes coletivas.
Não é possível separar, rigidamente, as áreas
de atuação dos três curadores: todos trabalhavam ligando o conhecimento
historicamente acumulado às crenças e
ideias religiosas.
O ensino da medicina ocorria no interior dos
templos e ficava restrito aos parentes dos sacerdotes e ricos.
Esse fato não é novidade, tanto nas sociedades
escravistas quanto no presente é certo que os pobres têm muito menos acesso aos
tratamentos médicos e à possibilidade de serem estudantes de Medicina. Na Mesopotâmia,
não era diferente. Assim, é precisa a observação de Heródoto, no século 5 a.C.:
levar os doentes à praça pública, para serem tratados por alguém que tivesse
experiência na mesma doença.