João
Bosco Botelho
Sem dúvida, na Mesopotâmia, nos anos 1700 a.C.,
os tratamentos não cirúrgicos eram mais frequentes. Alguns registros indicam a
crença coletiva no poder curador da água. Dessa forma, centros de curas eram
construídos próximo às margens dos rios.
A partir da compreensão de os astros serem
deuses, se tornou corrente que a vida, a morte, a saúde e a doença dependeriam da
vontade dessas divindades. Assim, o tratamento só seria competente se os
curadores decifrassem as mensagens dos astros. Esse conjunto de crenças
valorizou o adivinho como personagem essencial para evitar a doença,
interpretando o horóscopo e o fígado do carneiro sacrificado.
Por outro lado, o Código de Hamurabi, esculpido num bloco negro de diorita, exposto
no Museu do Louvre, constitui importante fonte de informação, tanto em relação
aos tipos de tratamentos médicos quanto aos pagamentos e penalidades,
respectivamente, como recompensa pelo sucesso e castigo pela má prática.
É possível que esse conjunto normativo,
inicialmente, não representasse código de leis como entendemos hoje, mas, provavelmente
fosse um conjunto de decisões ditadas pelo rei Hamurabi, posteriormente, tornadas
leis, em torno do ano 1700 a.C.
Em relação à Medicina, de modo muito
claro, esse conjunto de leis estabeleceu a estratificação social, onde médicos
atendiam pessoas de diferentes estratos sócio-econômicos e recebiam remuneração
ou penalidades diferenciadas; a medicina
como especialidade social e o trabalho médico remunerado.
Nas leis dedicadas à medicina, existe clara
maior atenção ao trabalho médico invasivo, isto é, à cirurgia, fazendo pressupor
que os procedimentos invasivos determinavam mais conflito se comparados às consultas
clínicas. Desse modo, é possível entender porque eram tão severas as penalidades
para as cirurgias com resultados insatisfatórios.
As principais leis que regeram a Medicina, no
código de Hammurabi, são as seguintes:
§ 215: Se um médico fez em um
awilum, uma operação difícil com um escalpelo de bronze e curou o awilum ou
(se) abriu a nakkaptum de um awilum com um escalpelo de bronze e curou o olho
do awilum, ele receberá 10 siclos de prata;
§ 216: Se foi o filho de um
muskenum, ele receberá 5 siclos de prata;
§ 217: Se foi o escravo de um
awilum, o dono do escravo dará ao médico dois siclos de prata;
§ 218: Se um médico fez em um
awilum uma operação difícil com um escalpelo de bronze e causou a morte do
awilum ou abriu a nakkaptum de um awilum e destruiu o olho do awilum, eles cortarão
a sua mão;
§ 219: Se um médico fez uma
operação difícil com um escalpelo de bronze no escravo de um muskenum e
causou-lhe a morte, ele deverá restituir um escravo como o escravo (morto);
§ 220: Se ele abriu a sua nakkaptum
com um escalpelo de bronze e destruiu o seu olho, ele pesará a metade de seu
preço;
§ 221: Se um médico restabeleceu o
osso quebrado de um awilum ou curou um músculo doente, o paciente dará ao
médico 5 siclos de prata;
§ 222: Se foi um muskenum, dará 3
siclos de prata;
§ 223: Se foi o escravo de um awilum, o dono do escravo dará 2 siclos de prata.
A
transparente punição da má prática médica proporcional à importância sociopolítica
do doente traduz a construção daquela sociedade escravista e rigidamente
hierarquizada.
Semelhante aos dias atuais, a ausência no
Código de Hammurabi de penalidade aos curadores ligados às crenças e idéias
religiosas, indicam que eram menos fiscalizados: se a reza não conseguisse
curar, a culpa seria da pouca fé do doente...