Amigos do Fingidor

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Primeiras leis organizando a medicina


João Bosco Botelho


Sem dúvida, na Mesopotâmia, nos anos 1700 a.C., os tratamentos não cirúrgicos eram mais frequentes. Alguns registros indicam a crença coletiva no poder curador da água. Dessa forma, centros de curas eram construídos próximo às margens dos rios.
A partir da compreensão de os astros serem deuses, se tornou corrente que a vida, a morte, a saúde e a doença dependeriam da vontade dessas divindades. Assim, o tratamento só seria competente se os curadores decifrassem as mensagens dos astros. Esse conjunto de crenças valorizou o adivinho como personagem essencial para evitar a doença, interpretando o horóscopo e o fígado do carneiro sacrificado.  
Por outro lado, o Código de Hamurabi, esculpido num bloco negro de diorita, exposto no Museu do Louvre, constitui importante fonte de informação, tanto em relação aos tipos de tratamentos médicos quanto aos pagamentos e penalidades, respectivamente, como recompensa pelo sucesso e castigo pela má prática.
É possível que esse conjunto normativo, inicialmente, não representasse código de leis como entendemos hoje, mas, provavelmente fosse um conjunto de decisões ditadas pelo rei Hamurabi, posteriormente, tornadas leis, em torno do ano 1700 a.C.
Em relação à Medicina, de modo muito claro, esse conjunto de leis estabeleceu a estratificação social, onde médicos atendiam pessoas de diferentes estratos sócio-econômicos e recebiam remuneração ou penalidades diferenciadas;  a medicina como especialidade social e o trabalho médico remunerado.       
Nas leis dedicadas à medicina, existe clara maior atenção ao trabalho médico invasivo, isto é, à cirurgia, fazendo pressupor que os procedimentos invasivos determinavam mais conflito se comparados às consultas clínicas. Desse modo, é possível entender porque eram tão severas as penalidades para as cirurgias com resultados insatisfatórios.
As principais leis que regeram a Medicina, no código de Hammurabi, são as seguintes:    
§ 215: Se um médico fez em um awilum, uma operação difícil com um escalpelo de bronze e curou o awilum ou (se) abriu a nakkaptum de um awilum com um escalpelo de bronze e curou o olho do awilum, ele receberá 10 siclos de prata;

§ 216: Se foi o filho de um muskenum, ele receberá 5 siclos de prata;

§ 217: Se foi o escravo de um awilum, o dono do escravo dará ao médico dois siclos de prata;

§ 218: Se um médico fez em um awilum uma operação difícil com um escalpelo de bronze e causou a morte do awilum ou abriu a nakkaptum de um awilum e destruiu o olho do awilum, eles cortarão a sua mão;

§ 219: Se um médico fez uma operação difícil com um escalpelo de bronze no escravo de um muskenum e causou-lhe a morte, ele deverá restituir um escravo como o escravo (morto);

§ 220: Se ele abriu a sua nakkaptum com um escalpelo de bronze e destruiu o seu olho, ele pesará a metade de seu preço;

§ 221: Se um médico restabeleceu o osso quebrado de um awilum ou curou um músculo doente, o paciente dará ao médico 5 siclos de prata;

§ 222: Se foi um muskenum, dará 3 siclos de prata;

§ 223: Se foi o escravo de um awilum, o dono do escravo dará 2 siclos de prata.

A transparente punição da má prática médica proporcional à importância sociopolítica do doente traduz a construção daquela sociedade escravista e rigidamente hierarquizada.

Semelhante aos dias atuais, a ausência no Código de Hammurabi de penalidade aos curadores ligados às crenças e idéias religiosas, indicam que eram menos fiscalizados: se a reza não conseguisse curar, a culpa seria da pouca fé do doente...