Lição de escuridão
Thiago
de Mello
Caboclo
companheiro meu de várzea,
contigo
cada dia um pouco aprendo
as
ciências desta selva que nos une.
Contigo,
que me ensinas o caminho dos ventos,
me
levas a ler, nas lonjuras do céu,
os
recados escritos pelas nuvens,
me
avisas do perigo dos remansos
e
quando devo desviar de viés a proa da canoa
para
varar as ondas de perfil.
Sabes
o nome e o segredo de todas as árvores,
a
paragem calada que os peixes preferem
quando
as águas começam a crescer.
Pelo
canto, a cor do bico, o jeito de voar.
identificas
todos os pássaros da selva.
Sozinho
(eu mais Deus, tu me explicas).
atravessas
a noite no centro da mata,
corajoso
e paciente na tocaia da caça.
a
traição dos felinos não te vence.
Contigo
aprendo as leis da escuridão,
quando
me apontas na distância da margem,
viajando
na noite sem estrelas,
a
boca (ainda não consigo ver) do Lago Grande
de
onde me fui pequenino e te deixei.
De
novo no chão da infância,
contigo
aprendo também
que
ainda não tens olhos para ver
as
raízes de tua vida escura,
não
sabes quais são os dentes que te devoram
nem
os cipós que te amarram à servidão.
Nos
teus olhos opacos
aprendo
o que nos distingue.
Já
repartes comigo a ciência e a paciência.
Quero
contigo repartir a esperança,
estrela
vigilante em minha fronte
e
em teu olhar apenas um tição
encharcado
de engano e cativeiro.
Barreirinha,
1981.