Amigos do Fingidor

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos 11/12

Zemaria Pinto

Resumindo sem concluir

Fortemente influenciada pela filosofia de Schopenhauer e pelo pensamento budista; percutindo as vibrações inovadoras da poesia de Baudelaire; tomada por uma sede de conhecimento que não obtinha respostas satisfatórias das ciências; obstinada pelo mundo microscópico que só àquela época começava a ser explorado; reflexo, enfim, de um país em transformação, em um mundo em transformação, a poesia de Augusto dos Anjos encontra o seu Zeitgeist, o espírito dionisíaco de seu tempo, em uma expressão inédita na literatura brasileira, que desnorteou, por muito tempo, sua recepção crítica.

Não entramos no mérito da psique do poeta. Antes, partimos do princípio, corroborado por poucos, de que ele era um cidadão comum, levando uma vida dentro dos padrões de normalidade, constituindo família, inclusive. Bacharel em Direito, optou por ser professor, o que talvez lhe desse mais tranquilidade para levar sua obra adiante. Poeta desde a adolescência, seus poemas mais antigos, dos dezesseis anos, já trazem a marca de um eu lírico melancólico, marcado pela solidão e pela reflexão sobre o estar-no-mundo.

A partir de um dado momento, que situamos em meados de 1906, essa melancolia se exacerba e a expressão – marcada por um parnasianismo à Raimundo Correa, e um simbolismo apoiado especialmente em Cruz e Sousa, conforme o demonstra fartamente Magalhães Júnior (1978, p. 49-79) –, a expressão que vinha se tornando cada vez mais áspera, encontra finalmente o seu tom – um tom que não combinava com o pacato professor.

Não era mais o eu lírico que se expressava, mas um desdobramento deste: uma personagem sofrida, misantropa, misógina, que parecia ter uma só finalidade na vida – sofrer. Com a melancolia em crescimento exponencial, aquela personagem – a quem chamamos de máscara lírica – amadurece não apenas a linguagem, mas também as reflexões.

O problema que se colocava era com relação às representações miméticas da realidade, da qual os simbolistas procuravam fugir, mas somente os expressionistas lograram conseguir de forma integral, recriando a realidade, distorcendo-a até deixá-la irreconhecível. Para atingir o nível de linguagem pretendido, subvertendo as noções padronizadas de beleza, o poeta desenvolve o conceito que ele chamaria de “dor estética”, que consiste essencialmente em manifestar a dor com arte – sem precisar senti-la. Essa noção de dor é de Schopenhauer, mas também é budista; em ambos, viver é sofrer; então, se o poeta não sofre, ou não sofre tanto, é preciso inventar a dor, por meio de uma personagem – a máscara lírica.  

“Queixas noturnas” é o poema inaugural dessa nova fase, que daria a maioria dos 58 poemas da edição inicial do Eu. Dois anos mais tarde, Augusto dos Anjos publica o poema seminal “As cismas do destino”, que forneceria motivos a muitos outros poemas, unindo forma e conteúdo num mesmo ideário expressionista. Um desses motivos recorrentes é a utilização de um universo de microrganismos, sempre em contraponto com o universo humano. Aí reside a base do “cientificismo” de Augusto dos Anjos: o antagonismo entre as ideias de evolução e criação. De maneira singela, ele resolve isso, entregando à criação as formas simples de vida (moneras e similares) e creditando todo o resto à evolução. Isso explicaria porque a humanidade chegou a um estágio de total degradação, parasitária, tomada pelo vício e pela corrupção dos costumes.

No “Monólogo de uma sombra”, poema que abre o Eu, após zombar das ciências e bradar contra a permissividade, uma espécie de deus-verme vaticina que somente a Arte pode redimir a Humanidade. Em “Os doentes”, uma alegoria da degradação, a ideia de que a Arte é a única saída para a Humanidade retorna, e o poema termina de forma otimista, “o começo magnífico de um sonho”, “a gestação daquele grande feto, / que vinha substituir a Espécie Humana!” (p. 249). Para Schopenhauer, a arte é a única razão para que o sofrimento seja suportável, ainda que seja representação do sofrimento: 

A fruição do belo, o consolo proporcionado pela arte, o entusiasmo do artista que faz esquecer a penúria da vida, essa vantagem do gênio em face de todos os outros homens, única que o compensa pelo sofrimento que cresce na proporção de sua clarividência e pela erma solidão em meio a uma multidão tão heterogênea – tudo isso se deve ao fato de que o Em-si da vida, a Vontade, a existência mesma, é um sofrimento contínuo, e em parte lamentável, em parte terrível; o qual, todavia, se intuído pura e exclusivamente como representação, ou repetido pela arte, livre de tormentos, apresenta-nos um teatro pleno de significado. Esse lado do mundo conhecido de maneira pura, bem como a repetição dele em alguma arte, é o elemento do artista. (2005, p. 349-350) 

Mas a arte é apenas um consolo, sem poder para fazer cessar o sofrimento imanente ao ser humano. Todavia, o artista faz a sua parte, transformando sua arte em arma de convencimento, buscando colocar a Ideia no proscênio desse “teatro pleno de significado”. Ainda que tudo seja provisório, impermanente.