Amigos do Fingidor

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos 12/12


Zemaria Pinto
 
 
O Nirvana antes do fim

 

“O meu Nirvana”, um dos últimos poemas de Augusto dos Anjos[1], é o coroamento de toda uma obra, não só como poesia, mas também do ponto de vista da expressão filosófica – o poeta autografa o seu trabalho para a posteridade: 

No alheamento da obscura forma humana,
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero,
Encontrei, afinal, o meu Nirvana! 

Nessa manumissão schopenhaueriana,
Onde a Vida do humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na imanência da Ideia Soberana! 

Destruída a sensação que oriunda fora
Do tato – ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos plebeias –  

Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Ideias!
(p. 310) 

 Encontram-se neste poema os dois sustentáculos filosóficos da poesia de Augusto dos Anjos: o budismo e o schopenhauerismo. Sentindo a iminência da morte – “no alheamento da obscura forma humana, / de que, pensando, me desencarcero” – o poeta encontra a liberdade na filosofia, adquirindo a consciência de que a Ideia é a “forma eterna”, imanente à Arte (SCHOPENHAUER, 2005, p. 246). A Arte sobrevive ao homem, à sua dor crônica, ao seu sofrimento sem fim, ao seu tormento incurável. Extintos os combustíveis que alimentam a Vontade de vida – a ganância, a luxúria, a raiva e a ilusão – sobrevêm, para Schopenhauer, o Nada, para o budismo, a libertação. O Nirvana de Augusto dos Anjos tem outro significado: a perenidade de sua poesia.
 

REFERÊNCIAS
 

ANJOS, Augusto dos. Obra completa. Organização, fixação do texto e notas: Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

BARBOSA, Francisco de Assis. Notas biográficas. In: ANJOS, Augusto dos. Eu. 30. ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1965. p. 293-324.

BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa (O spleen de Paris). Tradução: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. In: Poesia e prosa. Organização: Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995b. p. 273-342.

BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. 3. ed. Tradução: José Martins Barbosa e Hemerson Alves Baptista. São Paulo: Brasiliense, 1994.

CAVALCANTI, Cláudia. Em busca do êxtase. In: Poesia expressionista alemã: uma antologia. Organização e tradução: Claudia Cavalcanti. São Paulo: Estação Liberdade, 2000. p. 17-33.

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FLEISCHER, Marion. O Expressionismo e a dissolução de valores tradicionais. In: O Expressionismo. Organização: J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 65-81.

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HYDE, G. M. A poesia da cidade. In: BRADBURY, Malcolm; McFARLANE, James (Org.). Modernismo: guia geral 1890-1930. Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 275-284.

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PORTELA, Eduardo. Uma poética da confluência. In: MELO FILHO, Murilo (Org.). Augusto dos Anjos: a saga de um poeta. João Pessoa: Governo do Estado da Paraíba, 1994. p. 65-66.

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[1] Publicado na Gazeta de Leopoldina, no dia 14 de novembro de 1914, dois dias após a morte do autor.