Zemaria Pinto
O Nirvana antes
do fim
“O meu Nirvana”, um dos últimos poemas de
Augusto dos Anjos[1],
é o coroamento de toda uma obra, não só como poesia, mas também do ponto de
vista da expressão filosófica – o poeta autografa o seu trabalho para a
posteridade:
No alheamento da obscura forma
humana,
De que, pensando, me
desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção,
sincero,
Encontrei, afinal, o meu Nirvana!
Nessa manumissão
schopenhaueriana,
Onde a Vida do humano aspecto
fero
Se desarraiga, eu, feito força,
impero
Na imanência da Ideia Soberana!
Destruída a sensação que oriunda
fora
Do tato – ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos
plebeias –
Gozo o prazer, que os anos não
carcomem,
De haver trocado a minha forma de
homem
Pela imortalidade das Ideias!
(p. 310)
Encontram-se neste poema os dois sustentáculos
filosóficos da poesia de Augusto dos Anjos: o budismo e o schopenhauerismo.
Sentindo a iminência da morte – “no alheamento da obscura forma humana, / de
que, pensando, me desencarcero” – o poeta encontra a liberdade na filosofia,
adquirindo a consciência de que a Ideia é a “forma eterna”, imanente à Arte
(SCHOPENHAUER, 2005, p. 246). A Arte sobrevive ao homem, à sua dor crônica, ao
seu sofrimento sem fim, ao seu tormento incurável. Extintos os combustíveis que
alimentam a Vontade de vida – a ganância, a luxúria, a raiva e a ilusão – sobrevêm,
para Schopenhauer, o Nada, para o budismo, a libertação. O Nirvana de Augusto
dos Anjos tem outro significado: a perenidade de sua poesia.
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[1] Publicado na Gazeta de Leopoldina, no dia 14 de
novembro de 1914, dois dias após a morte do autor.