Amigos do Fingidor

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Curso de Arte Poética

Jorge Tufic

A Legislação Teórica



A conceituação antiga e a contemporânea
 

                   Nos dois quadros que esquematizam os gêneros literários (o da Antiguidade e o Contemporâneo), observa-se que todas as transformações processadas em dois milênios, não atingiram o essencial. 

                   Segundo Nelly Novaes Coelho, “os gêneros continuam a ser poesia, prosa e teatro, porque são expressões das experiências humanas básicas: a vivência “lírica” (o Eu voltado para si próprio e suas emoções, cuja expressão essencial é a poesia); a vivência épica (o Eu em confronto com o mundo social, e cuja expressão natural é a prosa) e a vivência “dramática” (o Eu entregue ao espetáculo da Vida, no qual ele próprio é personagem e cuja expressão básica é o diálogo). 

                   A esses três gêneros o nosso tempo tende a acrescentar mais um: o da crítica Estética, expressão da vivência eu/texto, dinamizada pela inteligência analítica e crítica. Mescla de ciência e intuição, a Crítica é uma expressão ambígua que depende de um conhecimento racional mesclado a um pensamento criador. Isto é, participa da objetividade exigida pela teoria e da subjetividade natural à Arte. 

                   As demais transformações, registradas pela atual conceituação dos gêneros, são contingentes, isto é, efêmeras, porque representam “momentos” de evolução da Humanidade e por isso estão destinadas a uma contínua mudança. 

                   A grande alteração deu-se, sem dúvida, ao nível da legislação teórica que, nas diferentes épocas que nos precederam, se exerceu tiranicamente sobre a criação literária. Hoje já não há mais regras ou normas absolutas a que a liberdade do artista deva se submeter. Como sabemos, todas as leis, normas, regras e fronteiras foram postas em questão pelo nosso século, tanto ao nível da vida humana e social, quanto ao nível da Arte (ou do Pensamento em geral). Daí a liberdade, ou melhor, a anarquia de formas que se expressa na “cultura de mosaico” característica do nosso tempo. 

                   A única “norma” que jamais mudou (e que em cada época foi codificada de um modo) é a da coerência orgânica do discurso e sua forma significante. Da unidade essencial de ambos resulta a verdade, a força e a beleza do texto ou da obra literária. No alcançar tal unidade revela-se o maior ou menor gênio do poeta, do ficcionista e do dramaturgo. 

                   Foi na busca dessa coerência ou unidade interna do texto literário, que os gregos estabeleceram determinados tipos de verso para determinados tipos de experiência expressa. A cada vivência corresponde uma linguagem específica e um ritmo que lhe é essencial. Foi também em busca dessa unidade que retóricos de todos os tempos procuraram defender determinadas “formas” como ideais... Mudados os ideais, mudam-se as formas... 

                   Nos dois quadros acima referidos, o gênero poesia dispõe das formas Lírica e Épica, e das espécies literárias como elegia, canção, soneto, idílio, balada, ode etc. A natureza de sua linguagem é poética, e seu objeto se encontra no mundo lírico (o mundo do “eu”) ou no mundo épico ou heróico (o mundo das grandes ações). Temos, deste modo, que gênero, forma, espécie, natureza da linguagem e objeto (ou fonte da matéria) são os componentes ou partes em que se divide, modernamente, o estudo da Poesia. Na Antiguidade, porém, em razão da própria época e de seus costumes, o gênero aparece no lugar da forma, e a maneira da “imitatio”, passando pelo objeto da “imitação” ou FACE da realidade imitada, condiciona ou está condicionada à reação do leitor (ou espectador). Exemplos (resumos dos quadros): 



GÊNERO

FORMAS LITERÁRIAS

MANEIRA DA “IMITAÇÃO”
OBJETO DA “IMITAÇÃO” ou FACE da realidade imit.

REAÇÃO DO LEITOR
Lírico
Ditirambo (poema lírico breve: culto de Dionísio)
Elegia (=pranto)
Hino (=canto a divindade) Canção (=canto bodas ou dramático etc)
cantada – versos pentâmetros ou elegíacos; sáficos; alcaicos etc
(ritmo leve)
O mundo interior: o “eu” do poeta em face de suas emoções e do mistério da vida. A “persona” em face da vida.
Emoção que leva o leitor a se concentrar.
Épico
Epopeia
Recitada – versos hexâmetros (ritmo que corresponde ao tom grandioso, acima do tom comum).
O mundo exterior ao poeta: o mundo das grandes ações, dos grandes gestos que atuam no mundo exterior e o transformam. A vida heróica ativa.
Admiração que leva o ser a se expandir.

  
O gênero Poesia, segundo a conceituação contemporânea:


GÊNEROS
FORMAS LITERÁRIAS
ESPÉCIES LITERÁRIAS
NATUREZA DA LINGUAGEM
OBJETO (ou fonte da “matéria”)


Poesia

Lírica
Elegia       Ode
Canção     Balada
Soneto      Madrigal
Idílio          etc.


Linguagem Poética
O mundo lírico (=o mundo do “eu”).



Épica
Epopeia homérica, “Canções de Gesta”, Poemas épicos renascentistas, Poesia social etc.

O mundo épico ou heróico (=o mundo das grandes ações).