Amigos do Fingidor

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Tabagismo: do sagrado ao profano



João Bosco Botelho


NO ESPAÇO SAGRADO

A crença no poder mágico da fumaça, produzida pela ação do fogo em alguns vegetais, é constante desde tempos imemo­riais, no universo mítico de muitas sociedades. Esse aspecto das relações sociais não pode ser simples coincidência. Certos pontos comuns ligam esse imaginário entre culturas distantes milhares de quilômetros entre si.

Os relatos dos cronistas, no Brasil Colônia, muitos acompanha­dos de iconogravuras, narraram o uso do tabaco nos ritos terapêuticos e divinatórios. Os pajés se comunicavam com os espíritos, para curar e adivinhar, através da força embriagadora da fumaça do tabaco queimado.

Os registros disponíveis, até 1700, não evidenciam a utilização do tabaco, sob nenhuma forma, em muitas áreas do Brasil e América do Sul.
 

NO ESPAÇO PROFANO

A passagem do tabagismo do espaço sagrado para o profa­no se deu, no Brasil, com a chegada do colonizador. O vício de fumar, por homens e mulheres, como instrumento de prazer foi imediatamente percebida ainda nos primeiros contatos e cristalinamente assinalado por Cardim, no século 16: Costumam esses gentios beber fumo de petigma (tabaco) por, outro nome erva santa... fica como canudo de cana cheio desta herva, e pondo‑lhe fogo na ponta metem o pau grosso na boca e assim chu­pando e bebendo aquele fumo, e o tem por grande mimo e regalio.

Durante a ocupação holandesa do Nordeste brasileiro, na primeira metade do séuclo 16, pelas tropas de João Maurício de Nassau, o médico Guilherme Piso, chefe dos serviços médicos das Indias Ocidentais, fez um registro fundamental para que se possa entender a sedução que o tabagismo exerceu no continente america­no: “A célebre erva Tabaco ou Petum, chamada pelos brasileiros Petúme, em quase todas as Indias Ocidentais é, desde remotos tempos, estimada pelos próprios íncolas para sarar feridas. Logo que os europeus souberam disto, pesquisando‑lhe as virtudes recônditas, aplicaram as folhas frescas, bem como o sumo das mesmas, a usos humanos; depois secas, nos abusos e prazeres também. De sorte que agora, como o vento hibernal, o fumo do tabaco vicia o orbe universal”.

O consumo, em 1920, quase nulo no sexo feminino, alcançou a fantástica cifra, em 1970, de duas mil unidades por adulto. A atenção das autoridades mundiais de saúde pública foram alertadas, pela primeira vez, pelo Relatório de Hammond e Horn, em 1954, financiado pelo American Cancer Society, seguido pelo do Royal College of Phisicians, da Inglaterra, em 1962, descrevendo a nocividade do fumo. Hoje existem mais de setenta mil publicações disponíveis sobre o assunto.

As políticas de saúde, no mundo, desde os últinos anos do século 20,  se empenham no combate ao fumo: leis proibem as pessoas fumarem em lugares públicos.

O mundo conseguiu, nos anos oitenta, colocar o cigarro sob fogo cruzado. Mais de setenta nações estão unidas, pelo menos aparentemente, para varrer o tabaco do planeta.