João
Bosco Botelho
Nos
países onde as pressões sociais para minorar o sofrimento pessoal e coletivo alcançam
níveis insuportáveis, com fraca assistência médica, algumas vezes com o apoio institucional,
ocorre vertiginosa multiplicação das curas messiânicas. A constatação é
concreta e não deve ser deixada de lado. Ao contrário, envolve questões
importantes não resolvidas do binômio saúde-doença e com os indissociáveis
componentes sociais, além da desconfiança coletiva dos recursos médico-hospitalares
oferecida pelo Estado.
A
antropóloga Maria Andrea Loyola, da USP, em pesquisa realizada no bairro de
Santa Rita, em Nova Iguaçu (RJ), em 1984, estabeleceu importantes relações
comparativas entre os tratamentos hospitalares e os oferecidos pelos curadores populares
que ela denominou "especialistas não reconhecidos". A pesquisadora
também analisou alguns vetores sociais interferindo no processo de legitimação
das duas formas de tratamento. Os resultados do trabalho estão publicados no
livro “Médicos e curandeiros: conflito social e saúde”, onde está claro
que a procura do tratamento fora das instituições médicas, na comunidade
estudada, é motivada pelo descrédito da Medicina e dos médicos.
Entretanto,
existem muitos pontos obscuros tanto na origem quanto na reprodução dessas
instituições que modelam curas messiânicas por meio de especialistas do sagrado.
Sem comprovações explícitas para explicar essa incrível reprodução, é válido pressupor
que o poder político alimente a origem e os utilize como mecanismos de anteparo
às pressões coletivas frente às dificuldades do Estado no trato da saúde
pública.
Nos anos
1960, apareceu no Rio de Janeiro um doutor Fritz que se autodenominou “sete da
lira”. Durante alguns meses, esse personagem atendeu centenas de pessoas no
subúrbio de Campo Grande. De tudo, o que restou foi o enorme patrimônio
econômico da fundação que administrava os dons mágicos do curador.
É importante
que a Medicina, a Sociologia e a Antropologia busquem explicações para essa
confusa realidade, onde as práticas de curas realizadas pelos "doutores Fritz"
continuam sendo misturas atrapalhadas da
magia e religião. Como consequência, esses estudos poderiam servir de estrutura
teórica para os políticos melhor compreenderem os significantes sociais futuros
desses acontecimentos, que poderão interferir negativamente na disposição de o
Estado atuar na oferta dos meios para corrigir os estreitos corredores das
instituições que cuidam da saúde das populações.
No mundo,
a maioria dos cultos de conjuração são cultos terapêuticos. Muitas
manifestações de ideias e crenças religiosas utilizam a pressuposta crença de
poder curar como elemento de catequese, também porque toca fundamentalmente no
cerne da existência humana: usar todos os meios para evitar a morte.
Os
indicadores apontam que os curadores e adivinhos messiânicos se constroem e
reproduzem como rastilho de pólvora nos ambientes castigados por enormes
desníveis socioeconômicos e se consolidam na ausência de políticas públicas
voltadas à atenção primária da saúde.
De modo
geral, algumas igrejas que oferecem curas messiânicas como estratégia de
catequese estão trazendo curadores com características físicas diferentes dos
das comunidades onde estão assentadas: prevalecem homens e mulheres de cor branca,
loiros e de olhos azuis. É possível que a evocação desses curadores seja ainda onda
retardatária idealística ligada ao processo colonial, onde o agente colonizador
se mostrava poderoso.
Parece que
os organizadores dessas igrejas, consciente ou inconscientemente, esperam
provocar maior impacto junto às crendices das populações para serem tratadas mais
pelo curador alto, branco, loiro, de olhos azuis, do que pelo baixo, magro, moreno,
de olhos pretos.