Amigos do Fingidor

quinta-feira, 6 de março de 2014

Curas messiâncias



João Bosco Botelho


          Nos países onde as pressões sociais para minorar o sofrimento pessoal e coletivo alcançam níveis insuportáveis, com fraca assistência médica, algumas vezes com o apoio institucional, ocorre vertiginosa multiplicação das curas messiânicas. A constatação é concreta e não deve ser deixada de lado. Ao contrário, envolve questões importantes não resolvidas do binômio saúde-doença e com os indissociáveis componentes sociais, além da desconfiança coletiva dos recursos médico-hospitalares oferecida pelo Estado.
          A antropóloga Maria Andrea Loyola, da USP, em pesquisa realizada no bairro de Santa Rita, em Nova Iguaçu (RJ), em 1984, estabeleceu importantes relações comparativas entre os tratamentos hospitalares e os oferecidos pelos curadores populares que ela denominou "especialistas não reconhecidos". A pesquisadora também analisou alguns vetores sociais interferindo no processo de legitimação das duas formas de tratamento. Os resultados do trabalho estão publicados no livro “Médicos e curandeiros: conflito social e saúde”, onde está claro que a procura do tratamento fora das instituições médicas, na comunidade estudada, é motivada pelo descrédito da Medicina e dos médicos.
          Entretanto, existem muitos pontos obscuros tanto na origem quanto na reprodução dessas instituições que modelam curas messiânicas por meio de especialistas do sagrado. Sem comprovações explícitas para explicar essa incrível reprodução, é válido pressupor que o poder político alimente a origem e os utilize como mecanismos de anteparo às pressões coletivas frente às dificuldades do Estado no trato da saúde pública.
          Nos anos 1960, apareceu no Rio de Janeiro um doutor Fritz que se autodenominou “sete da lira”. Durante alguns meses, esse personagem atendeu centenas de pessoas no subúrbio de Campo Grande. De tudo, o que restou foi o enorme patrimônio econômico da fundação que administrava os dons mágicos do curador.
          É importante que a Medicina, a Sociologia e a Antropologia busquem explicações para essa confusa realidade, onde as práticas de curas realizadas pelos "doutores Fritz"  continuam sendo misturas atrapalhadas da magia e religião. Como consequência, esses estudos poderiam servir de estrutura teórica para os políticos melhor compreenderem os significantes sociais futuros desses acontecimentos, que poderão interferir negativamente na disposição de o Estado atuar na oferta dos meios para corrigir os estreitos corredores das instituições que cuidam da saúde das populações.
          No mundo, a maioria dos cultos de conjuração são cultos terapêuticos. Muitas manifestações de ideias e crenças religiosas utilizam a pressuposta crença de poder curar como elemento de catequese, também porque toca fundamentalmente no cerne da existência humana: usar todos os meios para evitar a morte.
          Os indicadores apontam que os curadores e adivinhos messiânicos se constroem e reproduzem como rastilho de pólvora nos ambientes castigados por enormes desníveis socioeconômicos e se consolidam na ausência de políticas públicas voltadas à atenção primária da saúde.
          De modo geral, algumas igrejas que oferecem curas messiânicas como estratégia de catequese estão trazendo curadores com características físicas diferentes dos das comunidades onde estão assentadas: prevalecem homens e mulheres de cor branca, loiros e de olhos azuis. É possível que a evocação desses curadores seja ainda onda retardatária idealística ligada ao processo colonial, onde o agente colonizador se mostrava poderoso.
          Parece que os organizadores dessas igrejas, consciente ou inconscientemente, esperam provocar maior impacto junto às crendices das populações para serem tratadas mais pelo curador alto, branco, loiro, de olhos azuis, do que pelo baixo, magro, moreno, de olhos pretos.