Entrevista concedida por Zemaria Pinto à jornalista Suelen Reis, para a revista Valer Cultural, onde foi publicada, editada, no nº 7, de out/nov 2013.
1 - Antigamente,
a literatura infantil resumia-se a literatura estrangeira traduzida. Depois,
Monteiro Lobato abriu caminho para o gênero no País, mas com um caráter
genuinamente brasileiro. E a trajetória até o regional, como você avalia?
R: A literatura
amazonense obteve, nos últimos 15 anos, um avanço excepcional. A Editora Valer
tem uma parcela importante de contribuição nesse processo. Embora amadores,
enquanto autores, o produto resultante, o livro, tem uma surpreendente
conformidade profissional. Era natural, então, que o segmento literatura
infantil fosse demandado. E há demanda, senão não haveria publicação. Só não
gosto dessa classificação: “regional”. Como Tolstoi, acredito que eu posso
refletir o mundo a partir da minha aldeia. Por pequenina e humilde, a minha
aldeia – assim como o rio que passa por ela – é a mais bela de todas as
aldeias, simplesmente porque é a minha aldeia. Chame-se ela Manaus, Parintins,
Cordisburgo ou Palmeira dos Índios, só pra ficar em aldeias famosas.
2 - O
reconhecimento da literatura amazonense é recente, veio na década de 50, com o
surgimento do Clube da Madrugada, que inclusive completa 60 anos em 2014. Onde
podemos dizer que nasce a literatura infantil regional?
R: Embora
pontualmente, a literatura amazonense tem alguns destaques anteriores ao Clube
da Madrugada. Este surge muito mais da necessidade de emancipação política dos
jovens da época, que de uma necessidade estética. Esta veio no bojo das
mudanças que se faziam necessárias. Posso cometer uma injustiça, mas a
literatura infantil produzida no Amazonas ou por amazonenses – salvo raras
exceções – começa mesmo na década de 1990, quando o Clube da Madrugada já era
apenas um sopro.
3 - Antes dos
autores locais, a região já era tema de livros nacionais com seus mitos e
lendas, mas sempre algo muito de pesquisa. O que trouxemos com nossas obras foi
essa experiência de quem vive aqui. Como você avalia essa diferença? Nossas
histórias (de autores locais) têm mais especificidades, relatos mais precisos...?
R: A diferença é
que nós vivemos aquilo sobre o que escrevemos. É diverso de ler sobre ou fazer
entrevistas rápidas para compor um texto que reflete o imaginário de uma região
tão complexa como a Amazônia. Quanto narramos uma história amazônica – ou
recriando-a ou inventando-a – ela sai naturalmente de dentro de nós. E não de uma
prateleira de secos e molhados ou da gôndola de um supermercado francês.
4 - O senhor tem
outros livros, de outros gêneros. Quando e como despertou esse interesse pelo
universo infantil?
R: O Tenório
Telles, no papel de amigo e editor, incentivou-me a recriar duas peças juvenis
que eu tinha na gaveta. Daí surgiram A
cidade perdida dos meninos-peixes, que é uma narrativa inventada, e O beija-flor e o gavião, que é uma
recriação de uma história real que se passa na África, mas que eu ambientei em
Novo Airão, cidade que é uma sucursal do paraíso terrestre. O urubu albino teve uma gênese
engraçada. Numa roda de amigos, o contista Allison Leão, a propósito não lembro
do quê, saiu-se com esta: “é mais difícil de achar que um urubu albino”. Fiquei
com aquela ideia na cabeça umas duas semanas, até que a historinha veio
completa, com ilustrações e tudo. Dediquei o livro ao meu amigo Allison, pela
“inspiração”.
(Continua na próxima quinta-feira)