Amigos do Fingidor

quinta-feira, 6 de março de 2014

Entrevista 1/2



Entrevista concedida por Zemaria Pinto à jornalista Suelen Reis, para a revista Valer Cultural, onde foi publicada, editada, no nº 7, de out/nov 2013.


1 - Antigamente, a literatura infantil resumia-se a literatura estrangeira traduzida. Depois, Monteiro Lobato abriu caminho para o gênero no País, mas com um caráter genuinamente brasileiro. E a trajetória até o regional, como você avalia?

R: A literatura amazonense obteve, nos últimos 15 anos, um avanço excepcional. A Editora Valer tem uma parcela importante de contribuição nesse processo. Embora amadores, enquanto autores, o produto resultante, o livro, tem uma surpreendente conformidade profissional. Era natural, então, que o segmento literatura infantil fosse demandado. E há demanda, senão não haveria publicação. Só não gosto dessa classificação: “regional”. Como Tolstoi, acredito que eu posso refletir o mundo a partir da minha aldeia. Por pequenina e humilde, a minha aldeia – assim como o rio que passa por ela – é a mais bela de todas as aldeias, simplesmente porque é a minha aldeia. Chame-se ela Manaus, Parintins, Cordisburgo ou Palmeira dos Índios, só pra ficar em aldeias famosas.        

2 - O reconhecimento da literatura amazonense é recente, veio na década de 50, com o surgimento do Clube da Madrugada, que inclusive completa 60 anos em 2014. Onde podemos dizer que nasce a literatura infantil regional?

R: Embora pontualmente, a literatura amazonense tem alguns destaques anteriores ao Clube da Madrugada. Este surge muito mais da necessidade de emancipação política dos jovens da época, que de uma necessidade estética. Esta veio no bojo das mudanças que se faziam necessárias. Posso cometer uma injustiça, mas a literatura infantil produzida no Amazonas ou por amazonenses – salvo raras exceções – começa mesmo na década de 1990, quando o Clube da Madrugada já era apenas um sopro.

3 - Antes dos autores locais, a região já era tema de livros nacionais com seus mitos e lendas, mas sempre algo muito de pesquisa. O que trouxemos com nossas obras foi essa experiência de quem vive aqui. Como você avalia essa diferença? Nossas histórias (de autores locais) têm mais especificidades, relatos mais precisos...?

R: A diferença é que nós vivemos aquilo sobre o que escrevemos. É diverso de ler sobre ou fazer entrevistas rápidas para compor um texto que reflete o imaginário de uma região tão complexa como a Amazônia. Quanto narramos uma história amazônica – ou recriando-a ou inventando-a – ela sai naturalmente de dentro de nós. E não de uma prateleira de secos e molhados ou da gôndola de um supermercado francês.

4 - O senhor tem outros livros, de outros gêneros. Quando e como despertou esse interesse pelo universo infantil?

R: O Tenório Telles, no papel de amigo e editor, incentivou-me a recriar duas peças juvenis que eu tinha na gaveta. Daí surgiram A cidade perdida dos meninos-peixes, que é uma narrativa inventada, e O beija-flor e o gavião, que é uma recriação de uma história real que se passa na África, mas que eu ambientei em Novo Airão, cidade que é uma sucursal do paraíso terrestre. O urubu albino teve uma gênese engraçada. Numa roda de amigos, o contista Allison Leão, a propósito não lembro do quê, saiu-se com esta: “é mais difícil de achar que um urubu albino”. Fiquei com aquela ideia na cabeça umas duas semanas, até que a historinha veio completa, com ilustrações e tudo. Dediquei o livro ao meu amigo Allison, pela “inspiração”. 
(Continua na próxima quinta-feira)