Amigos do Fingidor

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Cidade organizada e saúde pública



João Bosco Botelho

           

Na sociedade grega, especialmente na do século 4 a.C., políticos compreendiam a necessidade de organizar as cidades à semelhança dos corpos saudáveis, como se fossem organismos vivos. Ao contrário, a desorganização, causando tensões na maior parte da população, gerando ou se aproximando do caos, era considerada sinônimo de doença.

Aos gregos daquele tempo não seria possível administrar a cidade com competência satisfazendo as aspirações coletivas de bem-estar se as doenças de qualquer tipo fossem prevalentes. O administrador, o político competente, estava identificado, de modo obrigatório, naquele que poderia curar os sinais de qualquer desordem no ritmo urbano, capaz de determinar prejuízo às pessoas, impedir o sossego coletivo, as trocas comerciais e as relações com as ideias e crenças religiosas.

Tanto na administração laica do político quanto na dos sacerdotes e sacerdotisas, no mundo mágico da adivinhação oracular, a passagem da ordem (saúde) à desordem (doença), envolvendo mudanças nas coisas e nos acontecimentos, implicando riscos à saúde e à vida, estava claramente em polos opostos.

O poder de curar pessoas e sociedades, evitando a enfermidade e adiando a morte, tem sido historicamente utilizado pelo poder político, como mecanismo de coesão e controle social. Nessa esteira, sem dúvida, exigida pelos cidadãos nos quatro do mundo, obrigam que os administradores e políticos tanto nos macros quanto nos microssistemas, continuamente, como primeira obrigação, ofereçam à cidade médicos, hospitais, ambulatórios resolutivos e de fácil acesso, que são sempre mostrados à população como provas da competência gerencial. Desse modo, como na Grécia do século 4 a.C., hoje, respeitando as devidas proporções, construir hospitais, ambulatórios e contratar médicos continua sendo mostrado aos eleitores como indicativo de que podem confiar nesse ou naquele político.

É possível teorizar que esse elo motivador para a consolidação dessa extraordinária associação entre competentes sistemas de saúde e boa administração pública também esteja relacionado com as compreensões da morte. O sofrer e a morte da pessoa amada determinam transtornos complexos, em diferentes níveis do corpo, trazendo incontáveis sinais físicos de desconforto, variando em cada pessoa. O sistema nervoso central libera substâncias que alteram o ritmo biológico e interferem para amenizar a baixa da defesa imunológica inata. Esse terrível padecer, também entendido como sensação de perigo iminente, provoca mudanças nos ciclos do sono, da fome, da sede, da libido e da afeição. Logo, o político que consegue transmitir a mensagem pública de que consegue amenizar esse sofrimento, por meio da oferta de hospitais, ambulatórios e médicos, invariavelmente, é identificado como confiável.

Continuando a teorização, parece lógico pressupor que as atitudes específicas, usadas no enfrentamento da dor temida, minorando o sofrimento do homem e da mulher, tenham sido valorizadas e, continuamente, aperfeiçoadas pela ordem social. As ações humanas transformando a natureza para atenuar o desconforto, são imperativas! Estão ligadas diretamente aos mecanismos neuroquímicos que modelam e controlam todos os corpos dos seres vivos, em especial, os humanos.  

Na atualidade, a compreensão da sociedade organizada sem as dores da miséria dos deserdados que clamam por água e comida, como na Grécia antiga, está ligada aos políticos que zelam pelo bem público e buscam solução para curar os sofrimentos.