Amigos do Fingidor

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Lábios que beijei 17



Zemaria Pinto
Monga


Nunca lhe soube o nome verdadeiro, mas as duas semanas em que Monga, a mulher-gorila, esteve na cidadezinha à margem do verde rio foram de absoluto êxtase. O espetáculo era tosco. A maquiagem, pré-King Kong – filme que assistíramos no ano anterior, no poeira da cidade, em rolos insuportavelmente picotados. Mas Monga, a atriz – por que não? –, era de uma beleza angelical. Como faziam aquela monstruosidade de mau gosto a uma moça tão bela? Magra, alta (pelo menos, para os meus 12 anos), os cabelos crespos, negros, derramados sobre a pele rosacobreada, o nariz afilado, os olhos negros e a boca – a boca sutilmente desenhada, num matiz carmim. Por trás da tenda onde se dava a metamorfose em duas sessões noturnas, havia um trailer, que funcionava como camarim. Por uma fenda na parede, amei Monga noturnamente, por duas semanas – antes e depois dos espetáculos. O seu corpo, despido do leve vestido cotidiano, cobria-se inteiro com a negra roupa de cena, botas e luvas negras – somente o rosto à mostra.  Passados mais de setenta anos, ainda sonho com Monga, o seu rosto, apenas – os olhos semicerrados –, flutuando assimétrico na escuridão, onde não distingo mais nada, nem mesmo as minhas criminosas mãos.