Zemaria Pinto
Monga
Nunca lhe soube o nome
verdadeiro, mas as duas semanas em que Monga, a mulher-gorila, esteve na
cidadezinha à margem do verde rio foram de absoluto êxtase. O espetáculo era
tosco. A maquiagem, pré-King Kong – filme que assistíramos no ano anterior, no
poeira da cidade, em rolos insuportavelmente picotados. Mas Monga, a atriz –
por que não? –, era de uma beleza angelical. Como faziam aquela
monstruosidade de mau gosto a uma moça tão bela? Magra, alta (pelo menos, para
os meus 12 anos), os cabelos crespos, negros, derramados sobre a pele
rosacobreada, o nariz afilado, os olhos negros e a boca – a boca sutilmente
desenhada, num matiz carmim. Por trás da tenda onde se dava a metamorfose em
duas sessões noturnas, havia um trailer, que funcionava como camarim. Por uma
fenda na parede, amei Monga noturnamente, por duas semanas – antes e depois dos
espetáculos. O seu corpo, despido do leve vestido cotidiano, cobria-se inteiro
com a negra roupa de cena, botas e luvas negras – somente o rosto à
mostra. Passados mais de setenta anos,
ainda sonho com Monga, o seu rosto, apenas – os olhos semicerrados –, flutuando
assimétrico na escuridão, onde não distingo mais nada, nem mesmo as minhas
criminosas mãos.