João Bosco Botelho
O
contínuo movimento dos homens e mulheres é uma das principais diferenças da
cultura grega das anteriores que se desenvolveram nas margens dos rios Indo e
Nilo. Ao contrário das pinturas e esculturas, estáticas frontais ou laterais,
egípcias e mesopotâmicas, a grega mostrava os corpos em movimentos.
De
maneira semelhante, talvez mantendo laços na construção cultural, a teogonia
(nascimento dos deuses e deusas relacionados à formação do mundo) e a
cosmogonia gregas (narrativa, doutrina ou teoria que explica a origem do mundo
e do Universo) se assentaram na grande mobilidade de deuses e deusas descritos
com qualidades e defeitos equiparados aos dos humanos.
Na
complexa construção do panteão (conjunto de deuses e deusas de determinada
religião politeísta) grego reproduzindo o nascimento das divindades, como se
atavam às agruras humanas e os caminhos míticos das soluções, sem dúvida, receberam
destaque os deuses mais competentes para curar doenças temidas.
Apolo,
filho de Zeus e Leto (uma das amantes prediletas de Zeus), adorado na Grécia e
nas cidades do Mediterrâneo oriental, como deus da luz do sol, vencia a
obscuridade; da purificação, trazia a benção da pureza do belo; da harmonia,
vencia os conflitos; e da adivinhação, mostrava aos homens e às mulheres o
caminho da cura. Ao mesmo tempo, o povo grego também reconhecia e temia Apolo
como cruel vingador quando se sentia contrariado, matava os inimigos com as
flechas de ouro certeiras, presentes de Zeus, logo após seu nascimento.
Na
Grécia, o mito da carruagem trazendo o sol luminoso se ligou a Hélios e seu
filho Faetonte. Após a conquista romana,
nas representações artísticas que incluem moedas, pinturas e esculturas de
mármore e bronze, Apolo se confunde com Hélios, o deus-sol grego. As imagens
metamórficas desse poderoso deus curador penetraram no território romano,
sempre ligadas às proteções das doenças, talvez por essa razão,
indissoluvelmente atado ao controle do sol radiante.
Com
as qualidades e defeitos humanos, Apolo foi infeliz em algumas paixões,
rejeitado e traído em outras. Contudo, gerou descendências de natureza divina,
de heróis e de semideuses. Entre as onze mulheres amadas por ele que geraram
onze filhos, se destacou a paixão avassaladora com Coronis, filha de Flégia,
rei da Tessália. Dessa união plena de dramas e artimanhas nasceu Asclépio, que
se tornaria o mais importante deus curador grego, a partir do século 4 a.C.,
vivamente festejado no dia 12 de outubro em grandes procissões nas ruas.
Após
a conquista da Grécia pelas legiões romanas, Asclépio absorvido na cultura
mítica do conquistador, recebeu o nome de Esculápio. As grandes festas públicas
que comemoravam Asclépio e Esculápio continuaram com grandeza crescente. O
cristianismo em franca ascensão não conseguia conter o culto desses deuses
curadores. O sincretismo não tardou, as autoridades eclesiásticas determinaram
que 12 de outubro fosse o dia do nascimento de Lucas, o apóstolo médico. Desse
modo, na atualidade, muitos médicos continuam comemorando o “Dia do Médico” sem
saberem que se trata do “Dia de Asclépio”.
Como no mito de Gilgamesh,
do panteão mesopotâmico, no qual o herói presenciou a planta da vida eterna ser
comida pela cobra, que imediatamente após, renasceu perdendo a pele, a condição
mortal humana está expressa na morte de Asclépio, determinada por Zeus por meio
dos raios dos Ciclopes, temendo que a ordem natural do mundo fosse alterada pela
ressuscitação os mortos.