Amigos do Fingidor

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Entrevista ao Jornal do Comércio


Entrevista concedida por Zemaria Pinto ao jornalista  Evaldo Ferreira, publicada no dia 28 de março de 1014, lembrando os 50 anos do poema "Estatutos do Homem", de Thiago de Mello.


1. O que significou o poema Estatutos do Homem para a poesia do Amazonas, do Brasil e até do mundo?
R: O poema “Estatutos do Homem” é um canto de liberdade e um chamado à libertação. Ainda hoje, funciona como uma autêntica lição de cidadania, em qualquer língua, em qualquer parte do mundo. Seja sob Putin ou Maduro. 

2. Que outros poetas fizeram poesias tão contundentes como “Estatutos do Homem” durante aquele período negro acontecido no Brasil?
R: Houve toda uma vertente de poemas de cunho político nos 25 anos de ditadura. João Cabral de Melo Neto, Affonso Romano de Sant'Anna, Alex Polari, Paulo Leminski e o pessoal da chamada “geração mimeógrafo”... Entre tantos, são muito expressivos os poemas de Ferreira Gullar, de quem eu destaco “Dentro da noite veloz” e “Poema sujo”. 

3. “Estatutos do Homem” teria sido o ápice da criatividade de Thiago de Mello?
R: Não. Embora isso não o diminua, é interessante notar que “Estatutos...” é um poema de circunstância, escrito no calor da hora: um contraponto ao Ato Institucional No. 1, repleto de ironia e humor. Hoje, nós vemos isso. Naquela época, era uma reação indignada contra o golpe militar. Na minha opinião, os poemas mais expressivos de Thiago de Mello estão no livro De uma vez por todas, de 1996, onde ele faz uma súmula de tudo o que fizera até então – é o livro da maturidade, uma espécie de testamento poético.

4. Como esse tipo de poema funciona contra um ditador já que eles são pessoas tão duras e desprovidas de sentimentos humanos?
R: Não funcionam. A poesia é feita para o povo, não para os ditadores. A poesia é um reflexo do pensamento popular, uma manifestação do anseio popular. O ditador de plantão trabalha para sufocar esse anseio e calar os poetas.

5. Hoje, sem ditadura, que poesia está precisando ser feita, ainda que não seja por Thiago de Mello?
R: A poesia brasileira vive um vazio criativo. O que se vê é muito formalismo tolo e uma dor de cotovelo banalíssima. Reflexo, com certeza, da falta de mobilização popular. Aquele movimento do ano passado arrefeceu. As pessoas preferem ficar em casa, vendo a porcaria do big brother... A poesia política ainda tem vez, entretanto, não contra o ditador, pois vivemos, bem ou mal, numa democracia – mas uma poesia que questione o estar-no-mundo. Nos anos 60/70/80 não havia, como hoje, a consciência ecológica, por exemplo, e as questões de gênero e de preconceito continuam atuais. As minorias continuam minorias. Isso precisa ser questionado, em alto e bom som.