João
Bosco Botelho
As
ideias e crenças religiosas continuam explicando aspectos da natureza circundante
e, ao mesmo tempo, são usadas em certos controles sociais. As teogonias (nascimento
dos deuses e deusas relacionados à formação do mundo) e a cosmogonia (narrativa,
doutrina ou teoria que explica a origem do mundo e do Universo) estão ligadas aos ciclos naturais visíveis como
à chuva, fecundação do solo, seca e às pestes.
As
regras garantindo a saúde e evitando a morte, no Antigo e no Novo Testamento,
são suficientes para estabelecer vínculo entre o processo histórico da
consolidação da medicina como instrumento social voltado à compreensão e cura
das doenças, entre os séculos 1 a.C. e o 1 d.C., e o cristianismo primitivo.
Tanto naquele tempo quanto nos dias
atuais é facilmente identificável a grande distância entre a medicina dos ricos
e a dos pobres. Parece-nos ser importante partir desse pressuposto: as práticas
médicas oferecidas aos cidadãos romanos e os próximos da corte eram melhores
que a recebida pelos escravos e oprimidos pela ordem dos imperadores.
O cristianismo surgiu em condições
sociopolíticas sob o regime escravista do Império Romano. Nessa época, as
massas populares, parte delas de origem judia, que continuavam fugindo após a diáspora,
tiveram um papel fundamental na construção do pensamento cristão. É possível
que a medicina praticada por esse povo, habitante nova no espaço geográfico
aonde se formaria o cristianismo, fosse impregnada dos preceitos médicos do
Antigo Testamento.
De acordo com os exegetas as fontes
cristãs que remontam às origens do cristianismo não são muitas. Apesar das
controvérsias uma das tendência acredita que a mais antiga seja o Apocalipse de
São João, do ano 68; seguido das Epístolas, da metade do século 2; dos
Evangelhos, da segunda metade do mesmo século, e a mais recente de todas as
fontes históricas cristãs, o Ato dos Apóstolos. Isto quer dizer que não foi
encontrado documento cristão produzido no século 1.
Por essas razões é razoável pressupor
que a medicina praticada pelos cristãos dos primeiros séculos estivesse mais próxima
das práticas médicas judaicas. Possivelmente, por essa razão, o cristianismo
primitivo pode ter incorporado o conceito da doença como castigo pelos pecados
cometidos, existente séculos antes, entre os judeus da diáspora. Na realidade, essa
interpretação da doença, sob a exclusiva interpretação das ideias e crenças
religiosas, compreensão do sagrado, está presente desde os primeiros registros,
na Mesopotâmia, Egito e Índia, nos respectivos livros sagrados dessas
respectivas culturas.
Afora o sentido sagrado
neotestamentário, de inigualável senso religioso, os Apóstolos também
entenderam Jesus Cristo como profeta (Mt 16,14; Lc 7,16; Jo 4,19 e 9,17) capaz
de provocar milagres.
Estabelecendo o juízo de valor, o
grande Thomás de Aquino dividiu os milagres em absolutos ou de primeira ordem e
relativos ou de segunda ordem. O milagre apologético, sempre de primeira ordem,
serve de louvor. Deve ser perceptível e confirmar a origem divina da revelação.
Tem particular interesse o aspecto físico porque é observável nos corpos. Logo,
a cura de uma doença, considerada fatal e irreversível, pode ser entendida como
milagrosa e um sinal de Deus.
A
extraordinária beleza descritiva apostólica dos milagres operados por Jesus
Cristo, inclusiva na prática médica dos primeiros tempos cristãos, envolve a
essência da medicina como prática social: a generosidade que cativou o mundo e
consolidou a Nova Aliança.