Amigos do Fingidor

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Medalha do Mérito Cultural Péricles Moraes 2007 – 1/7



Zemaria Pinto

I

Em sua terceira edição, a medalha do Mérito Cultural Péricles Moraes ainda suscita algumas dúvidas curiosas. Quais os critérios para a escolha dos nomes? Por que um mecenas entre dois artistas? Quem foi mesmo esse Péricles Moraes? Este ano, me perguntaram se a Ivete homenageada era filha daquela quenome à Casa Ivete Ibiapina, na 10 de Julho... Também me perguntaram se o Milton Hatoum era mesmo amazonense...
À primeira pergunta, com relação aos critérios, tenho respondido que, além de ser amazonense ou aqui militar em sua área, a Academia leva em consideração para a escolha dos homenageados o conjunto da obra. Hoje temos aqui três amazonenses, manauaras, de sucesso: um empresário que aposta nos artistas locais, uma pianista que fez história como professora de várias gerações e um romancista consagração pela crítica e pelo público.
À pergunta sobre o mecenas, digo que acho que deveríamos homenagear não um, mas dois, pois assim talvez estimulássemos o aparecimento de outros, pois os artistas e a arte precisam deles.
Sobre o velho Péricles Moraes, respondo que eu mesmo atépouco tempo, ignorante, não o conhecia. Esta festa anual em sua memória tem o objetivo de tornar sua lembrança perene entre nós, pois, não à toa, os mais antigos metaforizam a Academia como a “casa de Péricles Moraes” – aqui ele esteve por 48 anos, tendo sido um de seus fundadores e, além do presidente Adriano Jorge, o único a discursarduplamente, inclusive – na memorável noite de 09 de janeiro de 1918, quando se deu a instalação da Sociedade Amazonense de Homens de Letras, da qual esta Academia é legítima sucessora. Naquela ocasião, Péricles Moraes fez a apologia do seu patrono, o romancista e ensaísta Gonzaga Duque, tecendo um breve estudo crítico de sua obra e salientando as características de sua arte, conforme noticiou um jornal da época.[1] Gonzaga Duque, autor de Mocidade Morta, era o profeta daquela religião que tinha deuses franceses e um mártir brasileiro, jamais canonizado, dito João da Cruz e Sousa, também chamado de Cisne Negro e Dante de Ébano.
Na sequência, o orador discorreu sobre “O Tolstoismo e a verdadeira concepção da beleza”. O mesmo jornal arremata que “no desenvolvimento da tese que constituiu a parte mais importante de sua conferência, o orador foi imaginoso e fecundo, fazendo a longa e torturada psicologia artística de Tolstoi, o incomparável solitário de Yosnaia Poliana, misto de demagogo e de artista, cujo nome atravessou as fronteiras da Rússia e causou a admiração do mundo, como o filósofo mais singular do seu tempo.” É claro que o sentido que o jornal dava para a palavra demagogo não era o mesmo que damos hoje para classificar certos tipos públicos.
Parece-me que aquela jornada dupla do bom Péricles, na noite de 09 de janeiro de 1918, falando em nome dos 30 fundadores da nossa Academia, inoculou-nos para sempre esse pendor pelos discursos acadêmicos

Obs: Discurso proferido pelo acadêmico Zemaria Pinto, por ocasião da solenidade de entrega da medalha do Mérito Cultural Péricles Moraes, realizada na sala do Pensamento Amazônico, sede da Academia Amazonense de Letras, a 28 de abril de 2007.





[1] A CAPITAL. Manaus: 11 de janeiro de 1918. Arquivo do IGHA. Não temos elementos para afirmar com precisão, mas no livro de Péricles Moraes Intérpretes da Amazônia (Manaus, Valer, 2001) há um ensaio intitulado “Pela glória de Gonzaga Duque”, que poderia ser o mesmo texto de 1918.