Zemaria Pinto
I
À primeira
pergunta , com
relação aos critérios ,
tenho respondido que , além de ser amazonense ou aqui militar em sua área , a Academia
leva em
consideração para
a escolha dos homenageados o conjunto da obra .
Hoje temos aqui
três amazonenses ,
manauaras, de sucesso : um empresário que aposta nos artistas locais , uma pianista
que fez história
como professora de várias gerações e um romancista consagração pela crítica
e pelo público .
À pergunta
sobre o mecenas ,
digo que acho que
deveríamos homenagear não
um , mas
dois , pois assim talvez estimulássemos
o aparecimento de outros, pois os
artistas e a arte precisam deles.
Sobre o velho Péricles Moraes ,
respondo que eu
mesmo até
há pouco tempo ,
ignorante , não
o conhecia. Esta festa anual
em sua
memória tem o objetivo
de tornar sua
lembrança perene
entre nós ,
pois , não à toa , os mais antigos metaforizam a Academia
como a “casa
de Péricles Moraes ” – aqui ele esteve
por 48 anos ,
tendo sido um de seus
fundadores e, além
do presidente Adriano Jorge, o único a discursar – duplamente , inclusive – na memorável noite de 09
de janeiro de 1918, quando
se deu a instalação da Sociedade
Amazonense de Homens
de Letras , da qual
esta Academia é legítima
sucessora. Naquela ocasião , Péricles Moraes fez a apologia
do seu patrono ,
o romancista e ensaísta
Gonzaga Duque , tecendo um breve estudo crítico
de sua obra
e salientando as características de sua arte , conforme noticiou um
jornal da época.[1]
Gonzaga Duque , autor
de Mocidade Morta ,
era o profeta
daquela religião que
tinha deuses
franceses e um mártir
brasileiro , jamais
canonizado, dito João da Cruz e Sousa, também chamado de Cisne
Negro e Dante de Ébano .
Na sequência, o orador discorreu sobre
“O Tolstoismo e a verdadeira concepção
da beleza ”. O mesmo
jornal arremata que
“no desenvolvimento da tese que
constituiu a parte mais
importante de sua
conferência , o orador
foi imaginoso e fecundo ,
fazendo a longa e torturada psicologia artística
de Tolstoi, o incomparável solitário de Yosnaia Poliana, misto
de demagogo e de artista , cujo nome
atravessou as fronteiras da Rússia e
causou a admiração do mundo , como o
filósofo mais singular
do seu tempo .”
É claro que
o sentido que
o jornal dava para
a palavra demagogo não
era o mesmo
que damos hoje
para classificar certos tipos públicos .
Parece-me que aquela jornada
dupla do bom
Péricles, na noite de 09 de janeiro de 1918, falando em
nome dos 30 fundadores
da nossa Academia ,
inoculou-nos para sempre
esse pendor
pelos discursos
acadêmicos .
Obs: Discurso proferido pelo acadêmico Zemaria Pinto, por
ocasião da solenidade de entrega da medalha do Mérito Cultural Péricles Moraes,
realizada na sala do Pensamento Amazônico, sede da Academia Amazonense de
Letras, a 28 de abril de 2007.
[1] A CAPITAL . Manaus: 11 de janeiro
de 1918. Arquivo do IGHA. Não temos elementos
para afirmar com precisão , mas no livro de
Péricles Moraes Intérpretes da Amazônia (Manaus, Valer ,
2001) há um ensaio
intitulado “Pela glória
de Gonzaga Duque ”, que
poderia ser o
mesmo texto
de 1918.