Amigos do Fingidor

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Ritos de curas e práticas médicas: pecado e tabu



João Bosco Botelho

Existem vários significantes do pecado associado à doença. Um dos mais interessantes é o pecado mágico, não ético, à violação do tabu.
De modo geral, o tabu previne contra algum de tipo de poder maléfico em pessoas, coisas e situações. Esse entendimento está claro na descrição do rito de cura relatado por Rasmussen, citado por Lévy-Bruhl, na aldeia dos esquimós Iglulik: “Nela participam, além de todos os habitantes da aldeia, o xamã, que desempenha o papel principal, e os espíritos familiares do doente. Perante as injunções do xamã, o doente enumera, uma após outra, todas as violações do tabu, leves ou graves, que cometeu. Quando tem a certeza de que nenhuma foi esquecida, a assistência retira-se, convencida de que a confissão das culpas e dos pecados quebrou a espinha da doença.” É importante entender que a confissão do doente esquimó não representa arrependimento; é, sim, a libertação que cura a doença, o mal.
A compreensão do pecado na antiguidade oferece aspectos interessantes. Entre muitas culturas-linguagens, especialmente nas religiões milenaristas, a libertação do pecado, da doença, sempre se relaciona à confissão seguida pelas rezas e penitências. Dependendo da linguagem-cultura, o curador retira o mal, exorciza o pecado, dirige as aspersões e usa imagens e outros artefatos protetores.
A maior parte das experiências empíricas acumuladas para afastar a dor fora de controle ou empurrar os limites da vida permaneceu guardada pelos especialistas da coisa sagrada. Esses fatores representaram ásperos obstáculos para reproduzir os saberes acumulados fora dos restritos grupos dos enclaustrados representantes das divindades, como assinala a tradição judaica:
1. O incrível poder do curador divino sobre a vida e a morte de tudo e de todos. Em Dt 32: 39 – E agora, vede bem: eu, sou eu, e fora de mim não há outro Deus! Sou eu que mato e faço viver. Sou eu que firo e torno a curar (e da minha mão ninguém se livra).
2. Os saberes empíricos como dádivas divinas. Em Sb 17: 20 – Ele me deu um conhecimento infalível dos seres para entender a estrutura do mundo, a atividade dos elementos, o começo, o meio e o fim dos tempos, a alteração dos solstícios, as mudanças de estações, os ciclos do ano, a posição dos astros, a natureza dos animais, a fúria das feras, o poder dos espíritos, os pensamentos dos homens, a variedade das plantas, as virtudes das raízes.
Em outro momento, esses poderes foram transmitidos aos médicos:
1. O médico como representante reconhecido e festejado da divindade. Em Eclo 38: 1-2 – Rende ao médico as honras que lhe são devidas, por causa de seus serviços, porque o Senhor o criou. Pois é do Altíssimo que vem a cura, como um presente que se recebe do rei. A ciência do médico o faz trazer a fronte erguida, ele é admirado pelos grandes.

Desafortunadamente, alguns médicos, desarticulados da construção histórica, para o infortúnio dos doentes, continuam acreditando nessa relação mítica.