Amigos do Fingidor

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Boca de forno



Pedro Lucas Lindoso

Quando menino brincava-se de “Boca de forno”. As crianças escolhiam o mestre. Este seria responsável por propor os desafios e dar ordens, tais como encontrar um objeto ou mesmo dar uma volta completa no quarteirão. O último a cumprir a prova levava um castigo. Se bem me lembro, os diálogos eram mais ou menos assim:
MESTRE - Boca de Forno.
CRIANÇAS - Forno!
MESTRE -Tudo que seu mestre mandar?
CRIANÇAS – Faremos todos!
MESTRE - Jacarandá.
CRIANÇAS - Já!
MESTRE - Quando eu mandar.
CRIANÇAS - Vou!
MESTRE - E se não for?
CRIANÇAS - Apanha!
Não me lembro jamais de ter descumprido uma ordem de um mestre. Também fiz o papel de mestre e todos cumpriram minhas ordens.
Quando adulto, acadêmico de Direito e depois advogado, aprendi que ordem de juiz é como na “boca de forno”: é para ser cumprida.
Há muito anos, assisti em Brasília uma palestra de um juiz federal americano chamado John Kennedy (impossível esquecer esse nome). A mediadora e tradutora era a então Juíza Federal Ellen Gracie Northfleet. Também difícil de esquecer pois seria nomeada posteriormente para ministra de nossa Suprema Corte. Hoje aposentada, após presidi-la.  O seminário versava sobre os mecanismos da Justiça Federal nos EUA e no Brasil. Aberto para questionamentos, alguém ousou perguntar ao magistrado americano:
– O que acontece quando não se cumpre uma decisão judicial nos EUA?
A resposta simplesmente foi de que isso nunca aconteceria. Lá é como na “boca de forno”. Ordens judiciais são cumpridas, pensei eu.
No Brasil há juízes de primeiro grau, os de segundo grau, chamados de desembargadores, e os ministros dos tribunais superiores. Todos, como na “boca de forno”, têm as suas decisões necessariamente cumpridas por todos os brasileiros a eles jurisdicionados.
Acima deles há os ministros do Supremo Tribunal Federal. Nos EUA membros da Suprema Corte são chamados de Mr. Justice. Quem ousaria não cumprir uma decisão emanada de um Mr. Justice ou de um ministro do Supremo Tribunal Federal? 
Provavelmente alguém que nunca brincou de “boca de forno”.