João
Bosco Botelho
Platão sistematizou e descreveu a necessidade
da nova postura do medico no Político,
quando firmou, no diálogo entre Sócrates, o Jovem e o Estrangeiro, a semelhança
entre a postura do político e do médico ao admitir que ambos, baseados no
conhecimento, devem intervir, sempre que necessário para promover melhoras na
sociedade.
Estrangeiro:
É interessante. Dizem, com efeito, que se alguém conhece leis melhores que as
existentes não tem o direito de dá-las a sua própria cidade senão com o
consentimento de cada cidadão; de outro modo não.
Sócrates,
o Jovem: Muito bem! Não estarão eles certos?
Estrangeiro:
Talvez. Em todo caso se alguém dispensa esse consentimento e impõe a reforma
pela força, que nome se dará a esse golpe? Mas, espera. Voltemos primeiro aos
exemplos procedentes.
Sócrates,
o Jovem: Que queres dizer?
Estrangeiro:
Suponhamos um médico que não procura persuadir seu doente, senhor de sua arte,
impõe a uma criança, a um homem ou uma mulher o que julga melhor, não
importando os preceitos escritos. Que nome se dará a essa violência? Seria por
acaso o de violação da arte e erro pernicioso? E a vítima dessa coerção não
teria o direito de dizer tudo, menos que foi objeto de manobras perniciosas
ineptas por parte de médicos que as propuseram.
Sócrates,
o Jovem: Dizes a pura verdade.
Estrangeiro: Ora, como chamaríamos
aquele que peca contra a arte política? Não o qualificaríamos de odioso, mau e
injusto?
Esse
diálogo refletiu uma explosão coletiva de consciência, como as que seguem as
rupturas com o conhecimento acumulado, a ponto de refletir precisamente a nova
posição social assumida pelo médico, capaz de poder interferir politicamente
para modificar o conjunto social.
A medicina
passou a ser associada à justiça, estando os seus agentes num estrato diferenciado
da sociedade, em consequência do conhecimento que eles acumulam e, por essa
razão, autorizados a influenciar as pessoas na direção de uma vida melhor. Ao
contrário, se o médico não utilizasse a sua capacidade de persuasão, de acordo
com os preceitos aceitos pela sociedade grega, estaria incorrendo em falsidade
ideológica, capaz de prejudicar outros homens.
O papel do político assumido pelo médico na polis grega, a partir dessa consciência
crítica da necessidade de modificar a realidade foi percebida e ampliada ao
longo dos séculos.
Essa
premência de ampliar o espaço social dos agentes da saúde foi deslocada pela
nova organização social imposta pela urbanização dos hábitos sociais, quando a
maior aglomeração de pessoas passou a exigir outras medidas para superar as
novas dificuldades que foram aparecendo, a linguagem um papel extraordinário
como fator de convencimento.
O conflito entre médicos e filósofos, ocorrido
naquela época, também foi percebido por Platão. O grande filósofo adotou o
modelo médico dos tempos homéricos e considerou o deus Asclépio o verdadeiro
político da saúde, porque teria sido ele o inventor da Medicina. Desse modo,
recolocou o conflito da Medicina com a religião em evidência, ao mesmo tempo em
que retirava a filosofia da área de atrito.
A interpretação é absolutamente coerente com
a compreensão social platônica, ao dividir a sociedade em dominadores e
dominados, senhores e escravos, tudo pela vontade dos deuses. Se a sociedade
era estratificada, obrigatoriamente as especialidades sociais que a serviam
teriam que ser do mesmo modo. Assim, ele incorporou na própria filosofia as
práticas médicas diferenciadas entre os senhores e escravos, ricos que podem
ficar doentes e pobres que não têm tempo para adoecer.