Amigos do Fingidor

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

O médico político em Platão



João Bosco Botelho

Platão sistematizou e descreveu a necessidade da nova postura do medico no Político, quando firmou, no diálogo entre Sócrates, o Jovem e o Estrangeiro, a semelhança entre a postura do político e do médico ao admitir que ambos, baseados no conhecimento, devem intervir, sempre que necessário para promover melhoras na sociedade.
Estrangeiro: É interessante. Dizem, com efeito, que se alguém conhece leis melhores que as existentes não tem o direito de dá-las a sua própria cidade senão com o consentimento de cada cidadão; de outro modo não.
Sócrates, o Jovem: Muito bem! Não estarão eles certos?
Estrangeiro: Talvez. Em todo caso se alguém dispensa esse consentimento e impõe a reforma pela força, que nome se dará a esse golpe? Mas, espera. Voltemos primeiro aos exemplos procedentes.
Sócrates, o Jovem: Que queres dizer?
Estrangeiro: Suponhamos um médico que não procura persuadir seu doente, senhor de sua arte, impõe a uma criança, a um homem ou uma mulher o que julga melhor, não importando os preceitos escritos. Que nome se dará a essa violência? Seria por acaso o de violação da arte e erro pernicioso? E a vítima dessa coerção não teria o direito de dizer tudo, menos que foi objeto de manobras perniciosas ineptas por parte de médicos que as propuseram.
Sócrates, o Jovem: Dizes a pura verdade.
Estrangeiro: Ora, como chamaríamos aquele que peca contra a arte política? Não o qualificaríamos de odioso, mau e injusto?
Esse diálogo refletiu uma explosão coletiva de consciência, como as que seguem as rupturas com o conhecimento acumulado, a ponto de refletir precisamente a nova posição social assumida pelo médico, capaz de poder interferir politicamente para modificar o conjunto social.
A medicina passou a ser associada à justiça, estando os seus agentes num estrato diferenciado da sociedade, em consequência do conhecimento que eles acumulam e, por essa razão, autorizados a influenciar as pessoas na direção de uma vida melhor. Ao contrário, se o médico não utilizasse a sua capacidade de persuasão, de acordo com os preceitos aceitos pela sociedade grega, estaria incorrendo em falsidade ideológica, capaz de prejudicar outros homens.
O papel do político assumido pelo médico na polis grega, a partir dessa consciência crítica da necessidade de modificar a realidade foi percebida e ampliada ao longo dos séculos.
 Essa premência de ampliar o espaço social dos agentes da saúde foi deslocada pela nova organização social imposta pela urbanização dos hábitos sociais, quando a maior aglomeração de pessoas passou a exigir outras medidas para superar as novas dificuldades que foram aparecendo, a linguagem um papel extraordinário como fator de convencimento.
O conflito entre médicos e filósofos, ocorrido naquela época, também foi percebido por Platão. O grande filósofo adotou o modelo médico dos tempos homéricos e considerou o deus Asclépio o verdadeiro político da saúde, porque teria sido ele o inventor da Medicina. Desse modo, recolocou o conflito da Medicina com a religião em evidência, ao mesmo tempo em que retirava a filosofia da área de atrito.
A interpretação é absolutamente coerente com a compreensão social platônica, ao dividir a sociedade em dominadores e dominados, senhores e escravos, tudo pela vontade dos deuses. Se a sociedade era estratificada, obrigatoriamente as especialidades sociais que a serviam teriam que ser do mesmo modo. Assim, ele incorporou na própria filosofia as práticas médicas diferenciadas entre os senhores e escravos, ricos que podem ficar doentes e pobres que não têm tempo para adoecer.