Amigos do Fingidor

domingo, 4 de dezembro de 2016

Ferreira Gullar (10/9/1930 – 4/12/2016)


Gullar, por Diogo D'Auriol.

Primeiros Anos
                    Ferreira Gullar


Para uma vida de merda
nasci em 1930
na Rua dos prazeres

Nas tábuas velhas do assoalho
por onde me arrastei
conheci baratas formigas carregando espadas
caranguejeiras
que nada me ensinaram
exceto o terror

Em frente ao muro negro no quintal
as galinhas ciscavam, o girassol
gritava asfixiado
longe longe do mar
(longe do amor)

E no entanto o mar jazia perto
detrás de mirantes e palmeiras
embrulhado em seu barulho azul

E as tardes sonoras
rolavam claras sobre nossos telhados
sobre nossas vidas.
E do meu quarto
eu ouvia o século xx
farfalhando nas árvores da quinta.

Depois me suspenderam pela gola
me esfregaram na lama
me chutaram os culhões
e me soltaram zonzo
em plena capital do país
sem ter sequer uma arma na mão.
(Buenos Aires, 1975)


In: Na vertigem do dia. Civilização Brasileira: 1980.

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