Amigos do Fingidor

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Importância política do médico em Platão



João Bosco Botelho


O modo grego antigo de conceber a intricada relação dos homens e das mulheres com o mundo visível, isto é, como partes vivas da natureza, sementou novas analogias da saúde. As doenças deixaram de ser compreendidas isoladamente, e passaram a compor o produto resultante do desequilíbrio com a natureza.
Esse é um dos pontos fundamentais da Medicina grega, dos séculos V e IV a.C., marcando a união entre a Filosofia jônica da natureza e os conceitos de saúde e de doença.
O centro harmonioso dessa confluência formou-se em torno da teoria do médico Empédocles (495-435 a.C.). Segundo o filósofo de Agrigento, os corpos são formados por quatro elementos eternos que permanecem em movimento constante – fogo, terra, água e ar.
Pela primeira vez consolidou-se uma proposta teórica para explicar a origem das doenças conhecidas e das que viessem a aparecer. Toda e qualquer enfermidade seria determinada pelo desequilíbrio entre um ou mais elementos.
Empédocles foi mais longe e utilizou a clepsidra para ilustrar a sua teoria da respiração, segundo a qual o corpo transpira através dos poros espalhados por toda a superfície da pele.
É possível estabelecer uma relação direta entre a teoria da respiração de Empédocles com a doutrina cosmológica de que o ar é uma substância corpórea. Este raciocínio é, por si só, significativo na relação concreta da Medicina com a Filosofia grega.
A partir do estudo dos livros que chegaram até nós ficou clara a existência, entre os séculos V e III a.C., de uma compreensão diferenciada de dois principais grupos sociais que se interessavam pela Medicina: os médicos e os eruditos de outras áreas do saber.
Na tentativa de fortalecer o seu valor social, os médicos gregos, a exemplo dos sofistas, começaram a expor perante o público os problemas da relação saúde-doença, sob a forma de conferência e discurso preparado.
Platão (Político, 296a, b, c) sistematizou o pensamento corrente da época ao descrever a nova postura do médico e do político. Ambos, baseados no conhecimento, deveriam, sempre que necessário, intervir para promover melhoras na sociedade:
Estrangeiro: É interessante. Dizem, com efeito, que se alguém conhece leis melhores que as existentes não tem o direito de dá-las à sua  própria cidade, senão que for necessário para promover melhoras na sociedade.
Sócrates, o Jovem:  Muito bem!  Não estarão eles certos?
Estrangeiro: Talvez. Em todo o caso, se alguém dispensa esse consentimento e impõe a reforma pela força, que nome se dará  a esse golpe?  Mas, espera. Voltemos primeiro aos exemplos precedentes.
Sócrates, o Jovem: Que queres dizer?
Estrangeiro: Suponhamos um médico que não procura persuadir seu doente, senhor de sua arte, impõe a uma criança, a um homem ou uma mulher o que julga melhor, não importando os preceitos escritos. Que nome se dará a essa violência? Seria por acaso o de violação da arte e erro pernicioso? E a vítima dessa coerção não teria o direito de dizer tudo, menos que foi objeto de manobras perniciosas e ineptas por parte de médicos que as impuseram?
Sócrates, o Jovem: Dizes a pura verdade.
Estrangeiro: Ora, como chamaríamos aquele que peca contra a arte política? Não o qualificaríamos de odioso, mau e injusto?

Este diálogo platônico reflete a explosão coletiva de consciência, como as que seguem as rupturas em certos conhecimentos acumulados. Estabelece  parâmetros muito claros da nova posição social do médico atuando como agente de uma Medicina como Paideia.