João Bosco Botelho
O modo grego antigo de conceber a intricada
relação dos homens e das mulheres com o mundo visível, isto é, como partes
vivas da natureza, sementou novas analogias da saúde. As doenças deixaram de
ser compreendidas isoladamente, e passaram a compor o produto resultante do
desequilíbrio com a natureza.
Esse é
um dos pontos fundamentais da Medicina grega, dos séculos V e IV a.C., marcando
a união entre a Filosofia jônica da natureza e os conceitos de saúde e de doença.
O centro harmonioso dessa confluência formou-se
em torno da teoria do médico Empédocles (495-435 a.C.). Segundo o filósofo de
Agrigento, os corpos são formados por quatro elementos eternos que permanecem
em movimento constante – fogo, terra, água e ar.
Pela primeira vez consolidou-se uma proposta
teórica para explicar a origem das doenças conhecidas e das que viessem a aparecer.
Toda e qualquer enfermidade seria determinada pelo desequilíbrio entre um ou
mais elementos.
Empédocles foi mais longe e utilizou a
clepsidra para ilustrar a sua teoria da respiração, segundo a qual o corpo
transpira através dos poros espalhados por toda a superfície da pele.
É possível estabelecer uma relação direta entre
a teoria da respiração de Empédocles com a doutrina cosmológica de que o ar é
uma substância corpórea. Este raciocínio é, por si só, significativo na relação
concreta da Medicina com a Filosofia grega.
A partir do estudo dos livros que chegaram até
nós ficou clara a existência, entre os séculos V e III a.C., de uma compreensão
diferenciada de dois principais grupos sociais que se interessavam pela
Medicina: os médicos e os eruditos de outras áreas do saber.
Na tentativa de fortalecer o seu valor social,
os médicos gregos, a exemplo dos sofistas, começaram a expor perante o público
os problemas da relação saúde-doença, sob a forma de conferência e discurso
preparado.
Platão (Político,
296a, b, c) sistematizou o pensamento corrente da época ao descrever a nova
postura do médico e do político. Ambos, baseados no conhecimento, deveriam,
sempre que necessário, intervir para promover melhoras na sociedade:
Estrangeiro: É interessante. Dizem, com
efeito, que se alguém conhece leis melhores que as existentes não tem o direito
de dá-las à sua própria cidade, senão
que for necessário para promover melhoras na sociedade.
Sócrates,
o Jovem: Muito bem! Não estarão eles certos?
Estrangeiro:
Talvez. Em todo o caso, se alguém dispensa esse consentimento e impõe a reforma
pela força, que nome se dará a esse
golpe? Mas, espera. Voltemos primeiro
aos exemplos precedentes.
Sócrates,
o Jovem: Que queres dizer?
Estrangeiro:
Suponhamos um médico que não procura persuadir seu doente, senhor de sua arte,
impõe a uma criança, a um homem ou uma mulher o que julga melhor, não
importando os preceitos escritos. Que nome se dará a essa violência? Seria por
acaso o de violação da arte e erro pernicioso? E a vítima dessa coerção não
teria o direito de dizer tudo, menos que foi objeto de manobras perniciosas e
ineptas por parte de médicos que as impuseram?
Sócrates,
o Jovem: Dizes a pura verdade.
Estrangeiro:
Ora, como chamaríamos aquele que peca contra a arte política? Não o qualificaríamos
de odioso, mau e injusto?
Este
diálogo platônico reflete a explosão coletiva de consciência, como as que
seguem as rupturas em certos conhecimentos acumulados. Estabelece parâmetros muito claros da nova posição
social do médico atuando como agente de uma Medicina como Paideia.