João Bosco Botelho
As questões sociais em torno da doença e os
transtornos causados pela dor não devem ter sido, no passado distante, muito
diferentes dos da atualidade. Na realidade, é possível distinguir três circunstâncias
envolvidas no processo:
1. A busca de tratamento da pessoa aflita, motivada
pela dor e pelo medo da morte;
2. A preocupação coletiva pelo tratamento
competente para evitar a dor e a morte, quando a sociedade se entende ameaçada;
3. A busca do recurso curador, envolvendo uma
pessoa ou a sociedade, pautada no reconhecimento social de competência.
Pelo menos um dos componentes acima pode estar
presente na relação motivadora de trocas entre doente e curador. Dessa forma,
cabe efetivar a busca do(s) elemento(s) que antecederam a própria compreensão
da doença e interligar ao processo da cura. Para que seja possível organizar
esse pensamento, é necessário traçar os parâmetros a partir da consciência da
dor ou da doença, como a estrutura mental formadora da arqueologia da cura.
Isto é, a dor é a motivação maior para que o ato cooperativo entre curador e
doente seja instalado e se interponha com convencimento suficiente para
reverter o desconforto doloroso.
De modo claro, esse desafio humano maior –
lutar contra a dor e buscar o prazer – reflete um impressionante repetir
coletivo, nos quatro cantos do planeta, em todos os tempos, que traduz, em
última análise, a vontade humana para ampliar os limites da vida.
Apesar das incontáveis falhas nos resultados, a
Medicina representa a esperança no sucesso do tratamento, dando sentido e
sustentando a reprodução das práticas de curas. A arqueologia da cura, de
pessoas e de sociedades, deve também passar nesse referencial que liga o doente
ao curador e vice-versa.
Se, por um lado, nas relações individuais, o
enfermo expressa o medo da dor e da morte e o curador apresenta-se figurando a
esperança do prazer e da vida, do outro, coletivamente, a sociedade
desorganizada e faminta almeja a chegada do líder político atuando como
curador, capaz de recolocá-la nos trilhos da fartura.
Nos
barrancos do Solimões, em Paris e em Moscou se a doença é um braço quebrado, ninguém
oferece dúvida de que o melhor tratamento é imobilizar a fratura com gesso no
hospital mais próximo ou na infecção o doente adere ao tratamento com
antibióticos indicado pelo médico.
Nas duas considerações, a concordância de os
doentes tratarem o braço quebrado e a infecção, traduz tanto no Amazonas quanto
em Paris, o elo de confiança na Medicina, quando oferece bons resultados imediatos.
Todavia, tanto na floresta quanto no asfalto, ao
existir dúvida da cura proporcionada pela Medicina, independentes do grupo social,
os doentes procuram a ajuda dos curadores populares para diminuir a dor e o
medo da morte.
Nas duas circunstâncias, as divindades
curadoras são sempre lembradas e podem ser consideradas pelos doentes como as verdadeiras
responsáveis pela cura em si mesma.
Por essa razão, inserido nesse componente
social da compreensão do sofrimento e da dor, a palavra doença, na língua
inglesa, reflete as reconstruções sociais em torno da doença. Disease:
a doença como é apreendida pela Medicina-oficial; Illness: a doença como é compreendida pelo paciente; Sickness: situação em que o paciente
identifica o sofrimento em si mesmo, mas ao mesmo tempo é capaz de saber que a
situação é temporária e não coloca a vida em risco; por exemplo, a náusea
provocada pelo balanço do navio.