Zemaria Pinto
A leitura de Plantador de flores me fez viajar em minha própria história, pelos recitais da Caravana Literária, grupo de poetas e músicos que andava pelas escolas semeando poesia, há 10 anos, quando tudo começou. David Ranciaro, além de ser uma espécie de empresário do grupo, contatando as secretarias e as escolas, era o poeta que se comunicava com mais facilidade com a massa de alunos, apesar de sua notória timidez: seus poemas, lidos com falsa displicência, não pediam, para serem compreendidos, análises complexas: os alunos ouviam, riam e aplaudiam, entusiasmados, pois a conclusão era sempre inusitada e engraçada, como em “Cabocliana n° 1”, “Só quero um beijo”, “Tardinha” e a clássica “Fila para entrar na fila” – todos presentes neste volume: florilégio.
Mas Ranciaro não é apenas um epígono temporão
de Oswald de Andrade. Sua poesia enraíza-se a partir de um lirismo feito só de
essências, como no exemplar “Catedral”, que resume essa ideia: No frigir do dia / Consagro um tempo /
Dentro de mim / Ao silêncio // Assim / No diluir / Deste breve instante / Em
mim resguardado // Só me permito / Aquilo que / Em minha alma / Soe como
cantiga / Ou oração.
A consciência ambiental alia-se à
consciência social em poemas como “Árvores queimadas” e “Mercado municipal”: Bailarinas paralíticas / em silenciosa e
estática / dança – e o contraponto: Acende
ainda / Um esperançoso / Sorriso na boca / Banguela daqueles / Que a cidade
friamente / Cuspiu fora.
Paradoxalmente, o poeta da simplicidade
também arrisca-se a teorizar sobre o fazer poético em elaborados exercícios de
metalinguagem, como em “Antena sensitiva” e no belo “O poema”, onde ele define
o título: Olho-d’água / Que em / Secreto
silêncio / Vai cristalino / Entre seixos e gravetos / Escorrendo / Escorrendo...
O poeta lírico expõe-se, mesmo com a
salvaguarda do fingimento ensinado por Pessoa: Ranciaro não tem pudor de nomear
o que a memória insiste em aflorar. Assim, há também um grupo de poemas em que
a relação afetiva se entrelaça à lembrança, fazendo brotar uma poesia delicada
e plena de afeto – que, no entanto, não é pessoal, pois faz parte de uma
experiência mais que coletiva: universal.
(Apresentação de Plantador de flores, de David Ranciaro –
Manaus: Edição do Autor, 2014)