Paulo Sérgio Medeiros
31 de outubro. Dia das
Bruxas. Passava do meio-dia quando saímos de casa. Mamãe foi no meu carro. A
conversa fluía naturalmente entre mim, papai e ela. A cirurgia pela qual ela
passaria não estava na pauta, fingíamos que estava tudo bem, mas não estava.
Mamãe não estava ali com a gente. Algo a incomodava, não acredito que era a
cirurgia em si. Ela já havia passado por várias.
Em dez minutos já
estávamos no nosso destino. Santa Júlia, ali no Boulevard Álvaro Maia. A deixei
lá e fui estacionar o carro. Na volta ela estava sendo atendida na recepção.
Meu pai e meu irmão tratavam da papelada para a internação e ela um pouco mais
afastada aguardava numa cadeira de rodas. Sua fisionomia era de preocupação. Me
aproximei e lembro como se fosse hoje (dois anos e um mês depois) as minhas palavras
de apoio a ela. Mãe, tranquilinha que vai
dar tudo certo. Então a beijei na testa. Logo eu, o menos carinhoso.
Ela me olhou com a
insegurança de uma criança, chorou discretamente e subiu acompanhada do meu pai
e meu irmão. Houve um contratempo e eles não conseguiram se despedir dela. Era
só mais um contratempo entre tantos outros.
Na
sala de espera, a tensão se revelava nos estalar de dedos, nos pés que não
paravam de marcar o tempo, no senta e levanta aqui e acolá, nos olhares
cabisbaixos, e no silêncio quebrado de quando em quando por um “tá demorando,
né?”
A cirurgia complicou.
Sete, somente sete horas depois um vulto de notícias nos movimentou. Os médicos
anestesiaram a morte e mamãe resistiu a mais uma cirurgia.
O dia seguinte raiou
tenso. Estava no trânsito quando meu pai me telefonou. Meu filho, vem pra cá...
Essa frase ainda ecoa em minha mente. Não acreditava! Esmurrava o volante do
carro enquanto questionava a minha fé. Por quê? Por quê? Por quê?
Chego no hospital e vejo
minha mãe ali dentro de um saco como se fosse um tronco de madeira que não
servia mais pra nada. Pesadelo... Pesadelo. Só nós em volta dela sabíamos da
grande história de luta, de amor, de simplicidade e dedicação daquela mulher.
Bença, mãe...