João Bosco Botelho
Existem fortes indicativos de que as muitas práticas
curativas/medicinais contribuíram para moldar o pensamento e as ações em torno
dos significantes simbólicos da vida e da morte, da saúde e da doença, enfim,
do próprio modo com que as civilizações que desenvolveram a escrita.
A partir dos primeiros registros escritos, produzidos
nas civilizações que se desenvolveram nas margens dos grandes rios Nilo, Indo,
Tigre e Eufrates, a luta para entender os limites da vida identificam, com
muita clareza, três tipos de Medicinas:
1. Empírica: nasceu como
fruto da milenar relação dos homens e das mulheres com a natureza circundante,
em especial, dos saberes empíricos em torno do uso dos vegetais e minerais, mudanças
nos corpos com o passar dos anos vividos, a observação dos movimentos dos
astros, a importância do Sol na sobrevivência de tudo e de todos, a
decomposição dos corpos após a morte e a impressionante vontade coletiva para
empurrar os limites da vida. Historicamente, tem sido utilizada por todos,
sejam poderosos ou excluídos. Os mistérios e as práticas dessa complexa relação,
no início, foram repassados oralmente, e depois pela escrita, contribuindo para
que os registros passassem de geração em geração;
2. Divina: permeando a vontade
de rejeitar a morte e as buscas das soluções para impedir o avanço das doenças,
desde os tempos imemoriais, estão as muitas divindades curadoras, entendidas com
poderes sobre-humanos capazes de curar;
3. Oficial: muito mais
recente na história humana, o aparecimento está diretamente relacionado com a
estruturação social e religiosa, portanto, já claramente identificável nas
primeiras civilizações escravistas. Geralmente, interage às anteriores e é a
única autorizada pelo poder dominante para curar, de acordo com as regras da
dominação muito específicas que incluem a obediência aos deuses dominantes. O
conhecimento gerado, tanto no passado quanto no presente, tem sido transmitido
em escolas mantidas pela mesma autoridade. Os agentes curadores desfrutam de
pouca liberdade de inovação e são obrigados à obediência das normas ditadas
pelo conhecimento reconhecido. As atitudes inovadoras, em busca de novas
alternativas, obrigatoriamente, devem passar pelo crivo da comunidade fiscalizadora.
O confronto e a cooperação entre os agentes
curadores, representantes das três Medicinas, reflete o processo histórico,
inserido nas mentalidades e nas culturas, com o objetivo de ampliar os limites
da vida e evitar a dor, seja ela coletiva ou pessoal. Nesse sentido, os principais
agentes curadores são:
1. Dos curadores empíricos: durante muitos milhares
de anos, esses especialistas da cura, semelhantes aos dos dias atuais, eram,
provavelmente, membros destacados nas respectivas sociedades, que dominavam o
uso empírico de plantas e procedimentos específicos para aliviar a dor. Só
recente, receberam denominações: massagistas, benzedeiras, erveiras, padres,
pastores, pajés, médiuns, harmonizadores, umbandistas, mães e pais de santo, padres
e freiras carismáticas, entre outros;
2. Das divindades taumaturgas: incontáveis
deuses e deusas são evocados no processo de cura;
3. Do curador oficial: como fruto da
organização social e, principalmente, da absoluta necessidade do Estado
organizar e fiscalizar, o médico se impôs como o exclusivo agente da Medicina
oficial, a oriunda das universidades.