Amigos do Fingidor

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Maranhão Sobrinho, cem anos além-depois – 2/3


Zemaria Pinto

Maranhão Sobrinho transitava sem traumas entre o Romantismo, o Parnasianismo e o Simbolismo, encontrando-se nos poemas ligados a este movimento as suas principais composições. Nos trabalhos enfeixados neste volume, publicados entre 1896 e 1914 – além de poemas publicados postumamente – encontramos o poeta levando sua poesia desde o berço Barra do Corda, passando por São Luís, Natal, Recife e Maceió, até Curitiba, antes de chegar a Manaus, onde viveu dois períodos de sua vida, de 1905 a 1908 e de 1910 a 1915. Chama a atenção o fato de que após 1911, quando foi publicado Vitórias-régias, não foram encontrados registros de poemas inéditos do autor, em Manaus. Mas com certeza os há, o que poderá ser comprovado em busca aos arquivos do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e também ao acervo do velho Jornal do Comércio.
Essa alma viajante do poeta se desvela na representação alegórica pássaro/ninho, que atravessa os 105 poemas do livro. O organizador, sabiamente, sem se prender à cronologia, começa o livro (“Ave canora”) e o termina (“Azul final”) com poemas que se enquadram nessa temática. O primeiro é a representação do nascimento do poema – a inspiração –, de cunho romântico:
Sentimos dentro d’alma ternamente
A saudade chorar tão vagamente
E no peito cantar o coração!
Ao fundo, sob a luz e a aragem do crepúsculo, as cotovias cantam, docemente.
O poema que fecha o livro reúne os dois símbolos que se complementam:
Maio! Nas pontas trêmulas dos ramos
Os ninhos choram, de paixão crivados,
Porque te vás, ó mês dos gaturamos!
E dos sonhos de amor nunca sonhados!
O símbolo pássaro – e aqui não distinguimos cotovias e gaturamos – tem vários significados. O pássaro é a metáfora perfeita do ser inquieto, que não se fixa em seu ninho de origem. Mas é também a representação da alma além-do-corpo e dos estados espirituais. O pássaro se opõe à serpente, sendo esta a representação do mundo que rasteja, não-humano, enquanto o pássaro voa livre nos domínios celestiais. Os anjos, humanos alados, nada mais são que pássaros – e vem daí a associação destes com a inteligência e com a sabedoria. Mesmo sob o aspecto mitológico, o pássaro Fênix, de origem talvez egípcia, é a representação da ressurreição e, por consequência, da imortalidade, sendo adotado, na Idade Média, como um símbolo cristão.
O ninho, por sua vez, é uma metáfora da própria casa. Maio se vai, no poema de Maranhão Sobrinho, e
Pela cruel saudade que nos deixas,
Os vales secarão de imensas mágoas
E os ninhos morrerão de imensas queixas!
Nada mais terrível que a morte do lar, que definha pelo abandono de seus ocupantes. Mas o ninho é muito mais que isso: inacessível, para evitar os predadores, torna-se uma metáfora do paraíso, que só poucos alcançam – a morada da alma-pássaro.
Os pássaros e seus ninhos se sucedem, além de cotovias e gaturamos: andorinha, condor, calhandra, chorão, rouxinol, íbis, passando pelos genéricos aves, passarinhos e passaredo, até a metonímica asas. Tanto envolvimento com os substantivos leva o autor a criar um belo verbo onomatopaico: flaflar.
Asas de abril que andais em revoadas
Áureas, flaflando pelos ramos! quando
Doirar-me a luz as faces descoradas,
Vinde, aos meus versos, trêmulas, cantando...
(...)
Canções e risos flaflam-me aos ouvidos...
(“Asas”)
Ouvindo asas flaflar sobre corais de jambos...

(“Salomé”)