Zemaria Pinto
Maranhão Sobrinho transitava sem traumas
entre o Romantismo, o Parnasianismo e o Simbolismo, encontrando-se nos poemas
ligados a este movimento as suas principais composições. Nos trabalhos
enfeixados neste volume, publicados entre 1896 e 1914 – além de poemas
publicados postumamente – encontramos o poeta levando sua poesia desde o berço
Barra do Corda, passando por São Luís, Natal, Recife e Maceió, até Curitiba,
antes de chegar a Manaus, onde viveu dois períodos de sua vida, de 1905 a 1908
e de 1910 a 1915. Chama a atenção o fato de que após 1911, quando foi publicado
Vitórias-régias, não foram
encontrados registros de poemas inéditos do autor, em Manaus. Mas com certeza
os há, o que poderá ser comprovado em busca aos arquivos do Instituto
Geográfico e Histórico do Amazonas e também ao acervo do velho Jornal do
Comércio.
Essa alma viajante do poeta se desvela na
representação alegórica pássaro/ninho, que atravessa os 105 poemas do livro. O
organizador, sabiamente, sem se prender à cronologia, começa o livro (“Ave
canora”) e o termina (“Azul final”) com poemas que se enquadram nessa temática.
O primeiro é a representação do nascimento do poema – a inspiração –, de cunho
romântico:
Sentimos dentro d’alma
ternamente
A saudade chorar tão
vagamente
E no peito cantar o coração!
Ao fundo, sob a luz e a aragem do
crepúsculo, as cotovias cantam, docemente.
O poema que fecha o livro reúne os dois
símbolos que se complementam:
Maio! Nas pontas trêmulas
dos ramos
Os ninhos choram, de
paixão crivados,
Porque te vás, ó mês dos gaturamos!
E dos sonhos de amor nunca sonhados!
O símbolo pássaro – e aqui não distinguimos
cotovias e gaturamos – tem vários significados. O pássaro é a metáfora perfeita
do ser inquieto, que não se fixa em seu ninho de origem. Mas é também a
representação da alma além-do-corpo e dos estados espirituais. O pássaro se
opõe à serpente, sendo esta a representação do mundo que rasteja, não-humano,
enquanto o pássaro voa livre nos domínios celestiais. Os anjos, humanos alados,
nada mais são que pássaros – e vem daí a associação destes com a inteligência e
com a sabedoria. Mesmo sob o aspecto mitológico, o pássaro Fênix, de origem
talvez egípcia, é a representação da ressurreição e, por consequência, da
imortalidade, sendo adotado, na Idade Média, como um símbolo cristão.
O ninho, por sua vez, é uma metáfora da
própria casa. Maio se vai, no poema de Maranhão Sobrinho, e
Pela cruel saudade que
nos deixas,
Os vales secarão de
imensas mágoas
E os ninhos morrerão de imensas queixas!
Nada mais terrível que a morte do lar, que
definha pelo abandono de seus ocupantes. Mas o ninho é muito mais que isso:
inacessível, para evitar os predadores, torna-se uma metáfora do paraíso, que
só poucos alcançam – a morada da alma-pássaro.
Os pássaros e seus ninhos se sucedem, além
de cotovias e gaturamos: andorinha, condor, calhandra, chorão, rouxinol, íbis,
passando pelos genéricos aves, passarinhos e passaredo, até a metonímica asas.
Tanto envolvimento com os substantivos leva o autor a criar um belo verbo
onomatopaico: flaflar.
Asas de abril que andais
em revoadas
Áureas, flaflando pelos
ramos! quando
Doirar-me a luz as faces
descoradas,
Vinde, aos meus versos,
trêmulas, cantando...
(...)
Canções e risos
flaflam-me aos ouvidos...
(“Asas”)
Ouvindo asas flaflar
sobre corais de jambos...
(“Salomé”)