Inácio Oliveira
ELE
Ela observa o quadro.
Adquire um ar grave, franze a testa numa interrogação. Afasta-se. Tenho a
impressão que ela, agora, se deixar olhar pela mulher pintada no quadro e não
ao contrário. Penso naquilo que ela estará pensando.
ELA
Ele se aproxima. Sei que
pretende falar comigo. Finjo que não o vejo. Deixo que ele me observe. Imagino
que eu sou a mulher com os seios nus que aparece no quadro. Afasto-me e imito a
expressão dessa mulher. Quero que ele sinta, ao olhar para mim, o mesmo que eu
sinto ao ver o quadro.
ELE
Ela não sabe que eu a
observo. É confortável olhar para o que não nos vê. No meu pensamento posso
subtrair sua roupa, eu a vejo nua nesta galeria.
ELA
Não sabe que eu estou me
exibindo para ele. Vou abrir um botão da minha blusa para que ele, de onde
está, veja o contorno dos meus seios.
ELE/ELA
Muitos anos se passaram
desde aquele dia na galeria. O quadro que nos uniu continua intocável, mas na
nossa carne nada sustenta o peso desses anos.
ELA
Ele já não me vê. Saio
nua do banheiro a pretexto de ter esquecido a toalha. Ele me olha, mas não me
enxerga. Sinto-me invisível, ou como se fosse de vidro. Algo que se vê através.
ELE
Deita-se na cama comigo.
Cheiro bom de sabonete. Toca meu sexo murcho. Ela está molhada, mas é apenas da
água do chuveiro.