Tainá
Vieira
Graças a Dionísio ou Baco –
deus do vinho e também das festas, e, por que não?, da comida, pois onde já se
viu festa e vinho sem comida? – eu não tenho, nunca tive e jamais terei
Cibofobia: medo ou aversão a alimento. O
que eu tenho é receio ao modo como os alimentos são preparados; para mim, basta
apenas o lugar ser limpo, a pessoa que prepara a comida tem de estar com os
cabelos presos e as unhas limpas. E também, na minha comida não pode ter sangue
e nem alho cru, de resto está tudo certo e bom apetite!
Na época da faculdade, que foi
um dos momentos mais felizes da minha vida, praticamente todas as noites, no
intervalo, eu e meus amigos íamos comer churrasquinho. Era o famoso
churrasquinho de gato – que atire a primeira pedra quem nunca comeu um
churrasquinho de gato – que ficava a uns metros da faculdade; era um lugar
limpo, arrumadinho, a carne era boa, bem macia, custava três reais o espetinho
com a farofa que era divina, e a tia do churrasco – que tinha os cabelos bem
curtinhos – sempre guardava uma mesa para nós. Éramos mais de cinco pessoas e
sempre comíamos mais de um churrasco, por isso a tia do churrasco gostava da
gente. Há tempos que não como um churrasquinho de gato, eu acho que desde que
saí da faculdade.
Épocas de nossas vidas sempre
nos deixam lembranças, seja de lugares, pessoas, músicas, livros e
comidas. Lembro-me da minha infância que
foi regada a chá de canela, de uma árvore de canela no quintal da casa dos meus
pais-avós. Hoje em dia não gosto nem de sentir o cheiro da canela, a lembrança
que tenho da mesma me dói na alma. Meus
pais-avós já fizeram a passagem deste mundo. É assim também com o milho, não o
suporto, pelo mesmo motivo da canela.
Nem toda lembrança é boa ou vale a pena lembrar. E por mais que não
queiramos lembrar-nos, essas lembranças sempre virão nos perturbar. Tem gente
que gosta de voltar ao passado, regredir, somente para sentir tudo novamente,
se fosse possível reconstruir a historia, talvez eu também quisesse regredir.
Deixemos a infância guardada
na caixinha do tempo e vamos para a vida adulta, onde não temos avó e nem mãe
por perto para controlar nossa comida e por isso comemos tudo o que encontramos
pela frente. Não existe coisa melhor do
que se deliciar com algumas comidinhas que encontramos pelas ruas. Além do churrasquinho, tinha o kikão, que era
uma delicia e até peguei a receita da senhora que vendia – que vivia com uma
touca na cabeça – fiz algumas adaptações e ficou tudo certo: a maioria das
pessoas prefere a salsicha inteira no pão junto ao molho, eu prefiro-a toda
cortadinha em rodelas, fica algo bem delicado. Para o molho apenas extrato de
tomate, cebola, pimentão e creme de leite, nada de milho e ervilha e nem batata
palha para enfeitar, e, para o toque final, basta o ketchup, e pronto, temos aí
um delicioso lanche para oferecer aos amigos e às crianças. Às vezes quando não
tínhamos dinheiro suficiente para comer churrasquinho ou kikão, comíamos apenas
pipoca que era mais barato e deliciosa também. E quando nem pipoca dava para
comprar, comíamos bombom, tudo é comida mesmo.
Na faculdade fiz grandes
amizades, até hoje tenho o contato com algumas pessoas. Quando fui para o
terceiro período, mais precisamente na disciplina de Teoria da Literatura, eu
conheci uma das pessoas mais extraordinárias deste mundo, uma professora, que eu
a denominei como Ada, por ela ser tão especial.
Sempre antes da aula, eu e a Ada sentávamos para tomar café (não, eu não
ia para a faculdade só para comer, a comida era apenas uma consequência de tudo
o que acontecia por lá). As Universidades sempre têm praça de alimentação, algo
similar às cantinas das escolas. E na cantina, digo, na praça de alimentação de
onde eu estudava tinha um café muito bom. O café é bom para deixar o individuo acordado,
os alunos assim como os professores precisavam, antes de entrar em sala de
aula, de uma boa xícara de café.
Meu Deus, aqueles finais de
tardes, a hora do café, eram mais que sagrados para mim, para nós, porque era
reciproco o afeto. Ela, a Ada, teve que sair da instituição e eu fiquei ainda
dois anos lá, eu chorei sim de saudade e de revolta, perdi algo que fazia parte
de mim, não era só uma professora, muito menos só um café, eram muitas vidas em
duas vidas, inúmeras histórias, infinitos sorrisos e gargalhadas. Muitos
ensinamentos, eu aprendi coisas que levarei por toda a vida. Fomos felizes
naquela época, sei que fomos. Hoje os encontros são escassos por conta dessa
vida louca, mas a amizade permanece junto às lembranças, boas, daquelas tardes
no café da faculdade, assim como permanecem as lembranças, boas, das comilanças
com as comidinhas que fazia com os meus companheiros de sala. Conforte-me com
café ou comida, tudo isso me traz recordações, até mesmo as que prefiro
esquecer.