Paulo Sérgio Medeiros
Chego à escola com a pontualidade de um
britânico. Pontualidade é um exercício que pratico desde quando descaía para a
casa de minha avó nas férias estudantis, lá pelas bandas do Solimões. Chegar no
horário marcado é sinal de respeito e educação; embutia vovó Doca tais palavras
em seus conselhos apimentados de ensinamentos de vó, e como conselho bom até do
diabo a gente aceita, não albergava na cabeça do neto quarentão desapontar aquele baú de experiência.
Minha visita agendada dias antes ruminava meus
pensamentos perscrutando cada palavra lida naquele e-mail. Você é de confiança... Terno
e gravata... E no balanço das horas
tudo pode mudar! Essa exclamação do diretor Ricardo deixou uma interrogação
em minha cabeça. Terno e gravata? O que ele queria dizer com isso? Alvejado
pela curiosidade, disparei no rumo da escola. De terno e gravata, claro, e
discurso na ponta da língua. A direção da escola à espera do meu: sim, aceito!
– Prometo amar e respeitar.
Bato à porta e de cara vejo a nova pedagoga de
costas. Baixinha, cintura de cavaquinho e cabelos negros pelo meio das costas.
O vestido branco realça a cor da pele. Ali está ela inquieta remexendo um
arcaico fichário de alunos.
– Na alegria e na tristeza.
Meus olhos morenos abrem um clarão. Ela vira
preguiçosamente e seus cabelos acompanham o movimento do corpo numa dança
sensual tal qual um tango argentino.
Meu corpo perfumado de Avon é invadido poro a
poro por um francês arrebatador que até hoje não consigo nem pronunciar o nome.
Ela me olha e percebo o baile articulado de seus
lábios. As mãos – como as de um maestro – sobem e descem. Tremo, o coração
entra em descompasso e se confrange. Espectros se formam diante de meus olhos
subitamente apagados. O relógio na parede branco gelo simplesmente congelou,
deu branco. Ó meu Deus! Ela é muda. Eu, mudo. É o fim do mundo.
– Na saúde e na doença.
Ricardo chega num silêncio lento e de longe, sem
perceber a minha presença, faz um gesto para ela com o polegar direito. Ela
olha pra mim e devolve para ele o gesto com o polegar esquerdo. Ricardo desce
as escadas saltitando, atravessa a sala de espera a trotes largos e entra na
recepção com os braços vestidos e armados para um forte abraço. Nossos olhares
se encontram e percebo descaradamente a articulação de seus lábios. Ó meu Deus!
Ele está mudo. Eu juro. É o fim do mundo.
– E no balanço das horas tudo pode mudar.
Começa então uma correria, ele me abana, ela
traz um copo com água e açúcar. Sento no banco, mas não me sinto. E de onde
surgiu aquele homem de preto? Vejo uma pergunta, ouço uma resposta. Sim. Dedos
algemados, clics e mais clics, chove arroz. Gente, muita gente. Aqueles
dezenove segundos duraram...
– Até que a morte os separe.
Ricardo, ainda apaixonado pela ex-esposa e agora
colegas de trabalho, depositara em mim o papel de fazê-la feliz.