Amigos do Fingidor

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Chorando na chuva


Inácio Oliveira

Saio porta afora. A rua tem uma iluminação precária. Algumas lâmpadas piscam nos postes, ao redor delas as mariposas esvoaçam. Faz frio e o vento que vem do porto dói na pele. Tentei a noite inteira tomar um porre, mas sem sucesso. Continuo lúcido, insuportavelmente lúcido. Logo vai amanhecer. Os casarões adquirem um tom sépia como numa antiga fotografia. Algumas prostitutas restam nas ruas se insinuando para os carros que passam. Penso no frio das putas e sinto uma imensa ternura por elas. Ao meu lado um bêbado vomita no meio fio, o vômito escorre e toca suavemente os dedos de outro bêbado caído na calçada.
Caminho rua abaixo. No posto de gasolina algumas pessoas bebem ao redor de uma pick-up. Um sujeito esvazia uma long neck e estilhaça o vidro no asfalto. Do carro sai um funk estrondoso. Vejo um morador de rua cagando atrás de uma árvore. Os primeiros raios de sol começam aparecer. Eu penso que um dia o sol vai se apagar e a terra, juntamente com todos os homens, se tornará apenas uma rocha escura e gelada vagando, em absoluto silêncio, pelo espaço. Este pensamento me enche de conforto.
Uma prostituta me acompanha e diz.
– E aí, amor, quer companhia?
– Você quer chorar comigo? Eu pergunto.
– Depende. Depende do quando você vai me pagar. Pra fazer sexo é mais barato.
É uma manhã nublada, as ruas estão úmidas de cerração. Eu tiro meu paletó e coloco sobre os ombros da prostituta. Caminhamos em silêncio como dois namorados.
– Você parece um cara legal, ela diz. Me paga um café, no meu estomago só tem bebida.
Paramos numa barraquinha de café. Ela pede café com leite, pão com ovo e queijo. Eu peço apenas um café preto.
– Então, por que você quer chorar?
– Eu vou a um enterro.
– É um bom lugar pra chorar. Ela fala engolindo mais um pedaço de pão.
– Eu te pago duzentos reais.
– Pra quê?
– Pra chorar no enterro.
– Tá legal, eu aceito. Isso é perfeito, sabe porquê?
– Por quê?
– Porque eu sempre chorei de graça.
Começa a cair uma irritante garoa. Pegamos um táxi para o cemitério. A garoa transforma-se numa chuva delicada escorrendo pela janela fechada do carro. A prostituta encosta a cabeça no meu ombro e eu a abraço, como se repetíssemos uma cena exaustivamente cotidiana. Chegamos no cemitério e a chuva continua a cair, discretamente, como de um chuveiro. Algumas pessoas com guarda-chuvas estão reunidas ao redor de uma sepultura aberta. Tudo me parece cenográfico: as lápides, a grama verde, a chuva, o caixão. Falta só uma música triste no fundo. Às vezes a vida é mesmo um estupido clichê de cinema.
A prostituta começa a chorar, eu vejo suas lágrimas se misturando com a água da chuva no seu rosto. Penso numa música do A-Ha em que o cara diz que vai chorar na chuva. É lindo ver a prostituta chorando. No seu rosto há uma mistura de maquiagem, lágrimas, dor e água. Ela chora com sentimento e elegância, chora por tudo que já sofreu e ainda vai sofrer. Todos olham para ela. Há alguma coisa de bíblico ou grego nesta mulher. Minha mãe nos observa, cheia de ódio. Ela se aproxima, olha para a prostituta da cabeça aos pés.
– Como você ousa trazer uma mulher vestida assim para o funeral do seu pai. Quem é esta mulher, Antonio? Hein! Quem é esta mulher?
– É uma carpideira, mãe. Uma carpideira.