Inácio Oliveira
Saio porta afora. A rua
tem uma iluminação precária. Algumas lâmpadas piscam nos postes, ao redor delas
as mariposas esvoaçam. Faz frio e o vento que vem do porto dói na pele. Tentei
a noite inteira tomar um porre, mas sem sucesso. Continuo lúcido,
insuportavelmente lúcido. Logo vai amanhecer. Os casarões adquirem um tom sépia
como numa antiga fotografia. Algumas prostitutas restam nas ruas se insinuando
para os carros que passam. Penso no frio das putas e sinto uma imensa ternura
por elas. Ao meu lado um bêbado vomita no meio fio, o vômito escorre e toca
suavemente os dedos de outro bêbado caído na calçada.
Caminho rua abaixo. No
posto de gasolina algumas pessoas bebem ao redor de uma pick-up. Um sujeito
esvazia uma long neck e estilhaça o
vidro no asfalto. Do carro sai um funk
estrondoso. Vejo um morador de rua cagando atrás de uma árvore. Os primeiros
raios de sol começam aparecer. Eu penso que um dia o sol vai se apagar e a
terra, juntamente com todos os homens, se tornará apenas uma rocha escura e
gelada vagando, em absoluto silêncio, pelo espaço. Este pensamento me enche de
conforto.
Uma prostituta me
acompanha e diz.
– E aí, amor, quer
companhia?
– Você quer chorar
comigo? Eu pergunto.
– Depende. Depende do
quando você vai me pagar. Pra fazer sexo é mais barato.
É uma manhã nublada, as
ruas estão úmidas de cerração. Eu tiro meu paletó e coloco sobre os ombros da
prostituta. Caminhamos em silêncio como dois namorados.
– Você parece um cara
legal, ela diz. Me paga um café, no meu estomago só tem bebida.
Paramos numa
barraquinha de café. Ela pede café com leite, pão com ovo e queijo. Eu peço
apenas um café preto.
– Então, por que você
quer chorar?
– Eu vou a um enterro.
– É um bom lugar pra
chorar. Ela fala engolindo mais um pedaço de pão.
– Eu te pago duzentos
reais.
– Pra quê?
– Pra chorar no
enterro.
– Tá legal, eu aceito.
Isso é perfeito, sabe porquê?
– Por quê?
– Porque eu sempre
chorei de graça.
Começa a cair uma
irritante garoa. Pegamos um táxi para o cemitério. A garoa transforma-se numa
chuva delicada escorrendo pela janela fechada do carro. A prostituta encosta a
cabeça no meu ombro e eu a abraço, como se repetíssemos uma cena exaustivamente
cotidiana. Chegamos no cemitério e a chuva continua a cair, discretamente, como
de um chuveiro. Algumas pessoas com guarda-chuvas estão reunidas ao redor de
uma sepultura aberta. Tudo me parece cenográfico: as lápides, a grama verde, a
chuva, o caixão. Falta só uma música triste no fundo. Às vezes a vida é mesmo
um estupido clichê de cinema.
A prostituta começa a
chorar, eu vejo suas lágrimas se misturando com a água da chuva no seu rosto.
Penso numa música do A-Ha em que o
cara diz que vai chorar na chuva. É lindo ver a prostituta chorando. No seu
rosto há uma mistura de maquiagem, lágrimas, dor e água. Ela chora com
sentimento e elegância, chora por tudo que já sofreu e ainda vai sofrer. Todos
olham para ela. Há alguma coisa de bíblico ou grego nesta mulher. Minha mãe nos
observa, cheia de ódio. Ela se aproxima, olha para a prostituta da cabeça aos
pés.
– Como você ousa trazer
uma mulher vestida assim para o funeral do seu pai. Quem é esta mulher,
Antonio? Hein! Quem é esta mulher?
– É uma carpideira, mãe.
Uma carpideira.