Amigos do Fingidor

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Para a orelha de Drops de pimenta

Dori Carvalho



Zemaria Pinto se mostra cada vez mais uma figura surpreendente. Os seus livros de poesia com títulos inusitados - Fragmentos de silêncio, Música para surdos - deixam versos-navalhas cortando nossas almas para sempre.

Não satisfeito com isso, como todo poeta poderia ser, continua desafinando o coro dos contentes, passando longe da literatura certinha, bem-comportada, que toma conta da nossa terra. Se nos apresenta (surpresa!) escrevendo peças teatrais hilárias e ferinas como Papai cumpriu sua missão, tratando a política como deve ser tratada; Cenas da vida banal, brincando com a harmonia reinante entre macho e fêmea; e leva a sério Shakespeare, Eurípides e Kafka, com a solidão de Otelo, a Medéia que há em todos nós e a distância entre nós e a Justiça. Volta ao mundo infantil com a sua Cidade perdida dos Meninos-Peixes, preocupado com este nosso planetinha tão maltratado. Zemaria trilha um caminho que não é o da facilidade, da mesmice, da produção em larga escala e sem talento, tão costumeira. Talento em seu trabalho, aliás, é o que não falta; risco, muito menos, gesto tão raro em professores de literatura.

Dito isto deste artista universal do Amazonas, vamos ao Drops de pimenta ou, bem poderia ser, “vida, a arte do desencontro” ou “pimenta no amor dos outros é refresco” ou ainda “nos menores frascos estão os melhores venenos”. São divertidas e displicentes porradas desfechadas contra nosso peito e em nosso pequeno cotidiano amoroso cheio de descaminhos, silêncios e perversidades, nos intervalos da paixão ou nos crimes que cometemos a todo instante contra o ser amado.

Se o(a) leitor(a) não quer cometer nenhum ato tresloucado, tipo fugir de casa, mudar o destino tão previamente traçado, leia apenas um por dia desses pequenos-grandes-contos ou haicontos. A princípio parecem brincadeiras (e são), você vai rir muito, depois, toma conta um certo mal-estar gostoso, um desconforto agradável, desses que fazem a gente rir da própria desgraça e, finalmente, quando você começa a se sentir dentro do livro, uma raiva incontida de si mesmo é inevitável - e vai se perguntar: o que é que eu estou fazendo que não mudo essa droga de vida? Aí vai uma amostra grátis para amantes ou desamados ansiosos e aflitos:

─ Pra ganhar tempo, a gente divide. Eu pego a lataria e os frios. Você, o material de limpeza.
─ Não é possível! Nem no supermercado a gente fica junto?

Mas, como diria o Barão de Itararé, é melhor não levar a vida toda a sério, afinal ninguém sai com vida dela. Drops de pimenta é mais um presente que Zemaria Pinto nos dá, a todos nós, inconformados, inconstantes, espíritos livres, amantes, apaixonados...

Drops de pimenta, o livro, deveria ter saído na segunda leva dos Valores da Terra, quando ainda era prefeito de Manaus o cabo Pereira. Três alcaides depois, Valores da Terra é um projeto morto e enterrado. Mas o Drops continua vivo.

Ilustração: Tamara de Lempicka (1898-1980), Adão e Eva.