Amigos do Fingidor

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A bola do escritor na hora do pênalti

.
Marco Adolfs



Tem duas coisas que deixam um escritor doente: falta de tempo para escrever e texto mal revisado. Não ter tempo para escrever é alguma coisa parecida com um aborto provocado ou um coito interrompido. Frustra o nascimento do prazer. E texto mal revisado, com erros de ortografia ou gramática, é como um espelho quebrado ou a existência de uma ferida a mutilar.

Um dia desses levei um livro muito bem impresso – papel e capa excelentes; diagramação ordenada e texto aparentemente correto – para um escritor amigo meu autografar. Antes de escrever e assinar a sua dedicatória, com um semblante tenso e preocupado, me alertou para os erros que haviam saído naquela edição.

Foi quando percebi que essa frustração do escritor é como a do goleiro na hora do pênalti. Aquele pênalti que ele só não defendeu porque pulou um milionésimo de segundo atrasado.

O escritor é aquele ser solitário e empedernido que sempre acha que a Bíblia é fichinha perante o que ele pretende fazer. Se tem um ser humano extremamente zeloso e vaidoso de sua cria, esse é o escritor. E goleiro não pode errar, não é verdade?!

Venho refletindo sobre o que anda acontecendo na literatura. Para o escritor, a literatura virou um espetáculo de futebol com partidas fracas e pênaltis mal defendidos. Sendo o escritor como aquele goleiro que fica vendo tudo acontecer em campo e que quase nunca tem culpa pelas faltas cometidas. Mas goleiro só deve ter pressa – já que fica a maior parte do tempo parado – quando a bola vem em sua direção. E não o contrário. Tem que defender a meta. Ah, isso tem. Como o escritor tem que defender a sua glória. Bem, isso pode ser até discutível.

Mas vamos em frente.

O tempo do goleiro é o da espera. E a sua conquista é o pulo do gato com as mãos entranhadas na bola. Se tudo der certo ele evita o gol; senão, sai vaiado e culpado. O tempo do escritor também é o da espera. E se tudo der certo ele faz um bom livro. Se não, fica decepcionado com a impressão final.

E tem mais uma coisa. A literatura já teve os seus bons tempos de mansidão, hoje o que prevalece é a pressão. Quanto mais, melhor. Mas, o que é mais acaba por ser menos. Tem que se ter cuidado em ser prolixo, senão vai-se pro lixo!

A Nélida Pinon, uma de nossas escritoras, que se fosse goleiro teria agarrado bastantes pênaltis, disse certa feita que são necessários mais ou menos vinte anos de muita leitura e exercício da escrita para alguém poder se tornar um escritor. Fico pensando então quanto tempo de editoração correta deve um escritor ter!

Dizem que goleiro é como vinho, só fica mais apurado com o tempo. E escritor? Qual o seu tempo de apuração, deixando de lado o que a Nélida escreveu?

Justamente o tempo da escrita, ou melhor, do treino com bolas exaustivamente chutadas na direção do gol. É quando então o escritor encontra o seu timing.

Mas que ele não se iluda, a bola não para nunca de vir em sua direção.

Às vezes ele pega; às vezes, não. O que importa é que se esforce para defender.

Já disse um outro escritor, que escrever é cortar as adiposidades. Ou, trocando em miúdos, cortar o que é desnecessário. Ele falou corretamente. A sua poesia, graças aos cortes, é tão perfeita quanto um pênalti bem defendido.

Mas, se escritores estão nascendo em centenas de milhares de campos, falta apurar os treinos e as defesas para se evitar os gols. Senão a partida torna-se medíocre.

O pior futebol é aquele no qual os dois times faturam doze gols de cada lado. É partida que diverte, mas é apenas uma pelada. Sem o brilhantismo das dificuldades de um belo treinamento ou uma bela partida, o goleiro, ou guarda-metas, não pega mais nada. E passa o tempo todo buscando a bola nos fundos da rede e a levar o time inteiro ao prejuízo.